quinta-feira, 10 de março de 2016

ESTAMOS TODOS NUMA GRANDE RODA DE LINCHAMENTO




Estamos numa grande roda de linchamento. Não há muito tempo para se pensar. Não há espaço para quem é razoável. Falas coerentes e raciocínios lógicos não são bem-vindos. Todos gritam muito alto. Muita gente querendo sangue.
O clima está todo formado. Muitos machões se aproximaram. Todos demonstram ser corajosos. Todos muito seguros das próprias virtudes.
O ódio transbordando das ventas. Sangue nos olhos. Sangue na garganta. Alguém tenta pedir calma. Propõe que se acredite na justiça, que seja ouvida a versão daquele réu amarrado num tronco. Mas, o sensato da vez leva um tapa na cabeça. É chamado de covarde. Acusado de estar do mesmo lado do condenado.
Alguém pega gasolina. Joga em cima do acusado no meio da praça pública. O tempo urge. Agora não vai demorar muito tempo. Aqueles que acompanham com um pouco mais de distância percebem que vai dar merda. Tudo acontece muito rápido. Ninguém pode conter os acontecimentos.
É um tribunal de exceção. A massa começa a gritar. Tem pressa. Tem gosto na execução. Começam os chutes. Pauladas na cabeça. Um dos machões chega perto do acusado e dá um pontapé no estômago do desgraçado e vários socos no seu rosto. Começa a festa. Uma festa insana. As pessoas gritam freneticamente. Parecem histéricas. Tomadas por um sadismo incontrolável. A euforia é devastadora. As pessoas ficam satisfeitas em conhecer esse lado cruel que até àquele exato minuto permanecera oculto. Alguém chega com uma espada. A disputa é grande. Todos querem perfurar a vítima. Nem que seja uma pontada apenas.
A polícia acompanha de longe. Não irá interferir na vontade popular. Os antigos amigos da vítima também ficam distantes. Sentem medo de uma condenação igual. Negam o linchado. Dizem que não o conhecem.
Cada um que perfura a vítima sai do círculo com uma sensação de alívio. De absolvição, na verdade. Quem desfere um golpe, sente-se imediatamente pertencente ao grupo dos bons. Ele está com a maioria. O problema não é mais com ele. Ufa. A absolvição vem do entendimento que ao punir o desgraçado, filia-se automaticamente ao lado do bem. Por que afinal estaríamos infelizes? De onde emanaria a natureza de todos os males? Por que eu não sou reconhecido? Por que não há lugar para os meus méritos. Eu também tenho mérito. Por que minhas virtudes não são bem vistas? Que sociedade é essa que não dá valor a quem realmente tem? Por que premiam vagabundos como este? Alguém tem que ser culpado. Estou do lado dos bons. Me dá logo esse fósforo. Quero acender o fogo. Me dá aqui esse pedaço de pau. Toma!
Mas o amanhã chegou. O dia clareou com um sol estridente. O sol não se incomodou em romper com força a escuridão da madrugada. Veio com tudo. Todos tem de encarar o que fizeram. Olhar na cara uns dos outros. Cria-se um pacto intuitivo entre as partes. Não mais se fala no assunto. É como se não tivesse acontecido. Estavam todos em catarse. Mas aconteceu. São todos cúmplices agora.
Na praça onde ocorreu o linchamento ainda há muito sangue. Os transeuntes passam por lá, mas fingem que nada podem ver. Mas o tronco onde o desgraçado foi amarrado continua ali. Houve sim o linchamento. Existiu. Abriu-se um precedente terrível. Abriram a porta do inferno!
Alguém tem uma ideia! Para que o ocorrido deixe de ser crime, é preciso que ele vire lei. É preciso estar prevista aquela condenação. Sem mais ritos. Sem instâncias. Sem mais processos.
Logo alguém transforma o tronco do linchamento num monumento pela justiça e pela paz.
Mas, ora, é preciso dar utilidade àquele tronco. É preciso provar que o que se fez foi muito justo. Foi nobre. Foi digno. Ensinar as próximas gerações. Se justificar com elas.
A cada semana, novos linchamentos acontecem. Eles não podem mais parar. Toda sexta-feira é a mesma coisa, alguém sendo linchado no meio da rua.
Alguns parecem estar exaustos. Não querem mais conviver com aquilo. O que passou passou. Foi só um momento. Não precisa mais existir.
Mas não é assim. Não se pode mais interromper o curso das coisas. Existe uma disputa muito grande pelo controle daqueles tribunais improvisados de linchamento. Eles agora serão oficiais.
Muitas vozes cobram coerência. É preciso linchar mais gente, para ser justo com quem foi linchado antes.
As disputas agora são grandes. Estão todos contra todos. Os linchamentos não podem mais parar. Qualquer um pode ser o próximo!

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