segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A Tarefa do Agitador



A tarefa do agitador não é abrir o coração e escrever depoimentos pessoais.
Do agitador, não se espera a coerência a todo custo. Ele não fala somente aquilo que é mais fácil de dizer.
O agitador não teme o exagero.
Quase nunca vai com a maioria. Escreve em primeira pessoa falando dos outros e acaba escrevendo em terceira pessoa pra falar de si mesmo.
Ele abre mão de certos pudores. Não é obcecado por sua auto-imagem.
Um grande agitador não se esconde atrás de opniões óbvias. Não se preocupa em vender uma imagem de rapaz equilibrado, exageradamente entorpecido pelo bom-senso.
O agitador não escolhe as palavras indecifráveis. Não utiliza subterfúgios ou sofismas. Despreza o relativismo viciado sobre aquilo que é socialmente irrelevante. Não ostenta um linguajar acadêmico como ornamento de distinção. Não é vaidoso. Não paga de intelectual.
O agitador não cuida de suas frases como um confeiteiro ou um estilista. Porém, nem por isso o agitador é menos delicado ao escrever. O verdadeiro agitador lapida suas ideias. Vai cuidadosamente tirando tudo aquilo que é desnecessário, até que reste apenas o que é compreensível.
A obra do agitador, para os desatentos, é supostamente rudimentar. No entanto ela é uma escultura. Aquilo que outrora foi uma pedra deformada, ganha então a capacidade de ser entendida. O agitador enxergou uma linda estátua onde a maioria de pessoas podia ver apenas uma rocha.
O agitador não quer falar apenas nos pequenos salões. Não se contenta com o "petit comité". Com o "crème de la crème". O agitador se recusa a falar somente com quem concorda com seu ponto de vista. O agitador frequenta a academia dos notáveis somente quando deseja pixar um muro. Nem que seja a porta interna do banheiro. Pra fazer desenhos obscenos, uma poesia pornográfica ou gritar um palavrão bem no meio do pátio.
O agitador ambiciona falar com as massas. Deseja se comunicar, intervir. O agitador vai ao samba, ao forró, ao pagode. O agitador discute futebol. Conversa com o porteiro do prédio. É amigo do rapaz que prepara o seu pão na chapa. O agitador ouve as pessoas. Não espera apenas explicar o mundo para os outros, mas também vê-lo explicado. O agitador se interessa por seu povo. Aprende com ele. O agitador toma uma cachaça no balcão, sabe qual é o assunto do momento. O agitador tem moral na quebrada.
O agitador não caga regra pra ninguém. Entende o processo histórico e as variáveis sociológicas de maneira quase que intuitiva. Entende o limite de cada um e percebe que este limite está conectado com cada momento. O agitador não impõe a sua agenda. Ele chega no sapatinho. Dá o seu recado da maneira que venha a fazer sentido para as pessoas. Constrói um caminho para que os outros entendam sua linha de pensamento, não constrói uma auto-estrada ideológica à revelia, desmatando todos os pensamentos contrários.
O agitador não faz tudo o que quer. Não fala aquilo que lhe dá na telha. O verdadeiro agitador não é inconsequente. O agitador não é rígido. O bom agitador deve ser flexível e, como um bom marinheiro, saber navegar sem brigar com as ondas do mar.
O agitador virtuoso quase nunca se dá ao luxo da utopia. Ele tem objetivos. Sabe dar um passo de cada vez. Sabe esquivar ou andar para trás quando necessário. Depois, pode dar dez passos à frente. O agitador tem noções de processo. Transita dentro do possível. Sabe colecionar uma vitória de cada vez.
Um bom agitador nunca fala nada por acaso. Não desabafa. O agitador atormenta. É inquieto. Assume o custo de parecer o grande cafajeste, quando isso for preciso.
Mas o bom agitador sabe também ser muito doce. Sabe tocar, seduzir, agradar.
O agitador sabe fazer pensar. Provoca reflexão, cria dúvidas. Ele deixa sempre a pulga atrás de muitas orelhas.
Um agitador jamais conseguirá ser diferente. Só quando deixar seu corpo físico. Mesmo assim, talvez provoque furdunço em outras galáxias por aí...
Acontece que o agitador faz tudo o que faz porque ele, insistentemente e teimosamente, acredita num futuro melhor.
No fundo, o agitador não passa de um romântico.

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