terça-feira, 29 de setembro de 2015

Enquanto isso, Longe de Marte...




Enquanto isso, longe de Marte...

Vasculha-se cada cantinho de Marte. Comemora-se o grande feito de se encontrar vestígios de água no Planeta Vermelho. Festeja-se essa grande conquista da humanidade. Enquanto isso, milhões de homens, mulheres e crianças padecem sem acesso à água potável neste planeta tão injusto.

Viaja-se com uma sonda (logo mais com um foguete). Duzentos e vinte cinco milhões de quilômetros, sem que seja necessário parar para abastecer num posto de gasolina interestelar. Enquanto isso, a Terra ferve e seca nos quatro cantos, por conta do aquecimento global. Tecnologias de geração de energia renovável são boicotadas ao sabor dos interesses das grandes companhias que vivem da desgraça do planeta. Das guerras por petróleo.

Bilhões de dólares são empregados para enviar um robô até Marte. Enquanto isso, diz-se que preservar a natureza e a sua relação com a vida humana é economicamente inviável.

Espera-se que estejamos todos felizes com a descoberta de água em Marte. Enquanto isso, permanecemos estagnados num modelo econômico que condena os homens a estarem em permanente conflito com a natureza. É como se a humanidade fosse estranha ao meio-ambiente. Homens e mulheres são considerados igualmente culpados pela degradação da Terra, como se possível fosse preservar o planeta sem transformar as relações econômicas, políticas, sociais de consumo, acesso à terra, moradia e saúde. Como se fôssemos todos igualmente responsáveis pela construção desta sociedade que valoriza excessivamente o lucro, o prestígio, o poder e o dinheiro a todo custo. Como se uma família vivesse na encosta de um morro, numa área de manancial, nas matas ciliares, na beira dos córregos sem acesso ao saneamento básico e à coleta de lixo, simplesmente por “estilo de vida”.

Descobriram água em Marte. Um passo gigantesco para comprovar que existem outras formas de vida, longe da Terra. Seria fantástico conhecer habitantes dos outros planetas, não é mesmo? Enquanto isso, a vida humana na terra é cada vez mais desprezível. Alguns seres humanos são tratados como um mero inconveniente. Com exceção de alguns bolsões de riqueza, a vida de homens e mulheres se mostra a cada dia mais descartável e irrelevante nas periferias do mundo.

Esperamos ansiosamente conhecer novas formas de vida, mas desprezamos as que já conhecemos. Refugiados de guerras santas, políticas, civis, por petróleo, ou apenas para fomentar o mercado de armas, lutam para existir em algum canto do planeta. As populações desempregadas, perdendo direitos sociais e garantias trabalhistas não culpam os sistemas políticos e econômicos. Ao contrário, nos culpamos uns aos outros. Os trabalhadores do mundo perderam seus instrumentos de solidariedade. Perderam a capacidade de se enxergarem como trabalhadores. Vivem num limbo individualista. Um abismo de alienação. A ninguém parece ser conveniente ter um refugiado de guerra por perto. No entanto, somos todos refugiados. E não fugimos para Marte. Estamos aqui, com nossos antepassados mais próximos que em algum momento fugiram da violência, da miséria, das guerras ou das secas. Este é o mundo dos refugiados e dos retirantes, só que alguns se estabeleceram primeiro.

Gastamos bilhões para descobrir se existem bactérias, vírus ou fungos em Marte. O conhecimento científico é realmente fantástico! Não há como negar. Mas enquanto isso, muitas formas de vida desaparecem ou estão ameaçadas de sumir da face da terra. Animais lindos e fantásticos. Plantas, árvores, raízes e ervas compõem a nossa biodiversidade apenas para que um dia sejam patenteadas em novos medicamentos que renderão fortunas para quem explora o medo da vida e o medo da morte.


A viagem mais fantástica de todas ainda está por ser realizada. Uma expedição heroica aos castelos e fortalezas que devem ser derrubados. Haveremos de desbravar a nossa própria natureza. A evolução mais incrível e esperada por todos, não será tecnológica. A grande e necessária evolução será nas relações humanas. Não importa se conquistaremos Marte. Conquistaremos a Terra e a grande civilização a ser constituída será a nossa com uma existência mais justa, livre, generosa, igual e solidária. Que este seja o planeta da humanidade! E que não precisemos mais sentir vergonha de Ser Humano.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A Tarefa do Agitador



A tarefa do agitador não é abrir o coração e escrever depoimentos pessoais.
Do agitador, não se espera a coerência a todo custo. Ele não fala somente aquilo que é mais fácil de dizer.
O agitador não teme o exagero.
Quase nunca vai com a maioria. Escreve em primeira pessoa falando dos outros e acaba escrevendo em terceira pessoa pra falar de si mesmo.
Ele abre mão de certos pudores. Não é obcecado por sua auto-imagem.
Um grande agitador não se esconde atrás de opniões óbvias. Não se preocupa em vender uma imagem de rapaz equilibrado, exageradamente entorpecido pelo bom-senso.
O agitador não escolhe as palavras indecifráveis. Não utiliza subterfúgios ou sofismas. Despreza o relativismo viciado sobre aquilo que é socialmente irrelevante. Não ostenta um linguajar acadêmico como ornamento de distinção. Não é vaidoso. Não paga de intelectual.
O agitador não cuida de suas frases como um confeiteiro ou um estilista. Porém, nem por isso o agitador é menos delicado ao escrever. O verdadeiro agitador lapida suas ideias. Vai cuidadosamente tirando tudo aquilo que é desnecessário, até que reste apenas o que é compreensível.
A obra do agitador, para os desatentos, é supostamente rudimentar. No entanto ela é uma escultura. Aquilo que outrora foi uma pedra deformada, ganha então a capacidade de ser entendida. O agitador enxergou uma linda estátua onde a maioria de pessoas podia ver apenas uma rocha.
O agitador não quer falar apenas nos pequenos salões. Não se contenta com o "petit comité". Com o "crème de la crème". O agitador se recusa a falar somente com quem concorda com seu ponto de vista. O agitador frequenta a academia dos notáveis somente quando deseja pixar um muro. Nem que seja a porta interna do banheiro. Pra fazer desenhos obscenos, uma poesia pornográfica ou gritar um palavrão bem no meio do pátio.
O agitador ambiciona falar com as massas. Deseja se comunicar, intervir. O agitador vai ao samba, ao forró, ao pagode. O agitador discute futebol. Conversa com o porteiro do prédio. É amigo do rapaz que prepara o seu pão na chapa. O agitador ouve as pessoas. Não espera apenas explicar o mundo para os outros, mas também vê-lo explicado. O agitador se interessa por seu povo. Aprende com ele. O agitador toma uma cachaça no balcão, sabe qual é o assunto do momento. O agitador tem moral na quebrada.
O agitador não caga regra pra ninguém. Entende o processo histórico e as variáveis sociológicas de maneira quase que intuitiva. Entende o limite de cada um e percebe que este limite está conectado com cada momento. O agitador não impõe a sua agenda. Ele chega no sapatinho. Dá o seu recado da maneira que venha a fazer sentido para as pessoas. Constrói um caminho para que os outros entendam sua linha de pensamento, não constrói uma auto-estrada ideológica à revelia, desmatando todos os pensamentos contrários.
O agitador não faz tudo o que quer. Não fala aquilo que lhe dá na telha. O verdadeiro agitador não é inconsequente. O agitador não é rígido. O bom agitador deve ser flexível e, como um bom marinheiro, saber navegar sem brigar com as ondas do mar.
O agitador virtuoso quase nunca se dá ao luxo da utopia. Ele tem objetivos. Sabe dar um passo de cada vez. Sabe esquivar ou andar para trás quando necessário. Depois, pode dar dez passos à frente. O agitador tem noções de processo. Transita dentro do possível. Sabe colecionar uma vitória de cada vez.
Um bom agitador nunca fala nada por acaso. Não desabafa. O agitador atormenta. É inquieto. Assume o custo de parecer o grande cafajeste, quando isso for preciso.
Mas o bom agitador sabe também ser muito doce. Sabe tocar, seduzir, agradar.
O agitador sabe fazer pensar. Provoca reflexão, cria dúvidas. Ele deixa sempre a pulga atrás de muitas orelhas.
Um agitador jamais conseguirá ser diferente. Só quando deixar seu corpo físico. Mesmo assim, talvez provoque furdunço em outras galáxias por aí...
Acontece que o agitador faz tudo o que faz porque ele, insistentemente e teimosamente, acredita num futuro melhor.
No fundo, o agitador não passa de um romântico.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Um dia depois do golpe



Um dia depois do golpe, surgirão os pedidos infames para que o Brasil esteja unido neste "novo momento de sua história". Do mesmo modo que o Golpe de 64 foi também chamado de "Revolução", haverá aqueles que exaltarão a cruzada do povo brasileiro pela "ética", "valores da família" e grande mobilização "contra" a corrupção.

Um dia depois do golpe, os telejornais estarão mais amenos. Mensagens de otimismo serão lançadas ao longo das programações de tevê. A expressão do âncora do jornal da noite, que hoje é de quem anuncia um futuro de desgraça, se converterá com sorrisos mais descontraídos, um noticiário mais leve, com um acréscimo de otimismo para com nosso futuro.

Um dia depois do golpe, alguns presos não serão mais úteis. Muitos pedirão cautela nas investigações para que não sejam cometidas injustiças.

Um dia depois do golpe não seremos mais tão "intolerantes com a corrupção". Tudo volta ao normal. Os verdadeiros inimigos já não estarão por perto. Quem sempre roubou pode seguir roubando, desde que não seja subvertida a pirâmide social. Quem está em cima pode tudo, quem está embaixo continue onde está.

Um dia depois do golpe, as manifestações de rua não serão mais consideradas o "espetáculo da democracia". Não haverá cobertura em tempo real, convocação durante a programação diária, os horários dos jogos de futebol não serão alterados, a Avenida Paulista voltará a ser considerada um "corredor de hospitais" impossível de ser ocupada. Uma passeata com cem mil pessoas receberá um pequeno flash no Jornal Nacional.

Um dia depois do golpe, aqueles que saírem às ruas serão chamados de revanchistas. Haverá um clamor pela pacificação do Brasil. 

No minuto seguinte ao golpe, as polícias ganharão força. Mais força. Mais poder. A polícia não mais visitará os protestos para tirar uma self. A porrada vai rolar. O coro vai comer.

Um dia depois do golpe, toda a quebra de direitos adquiridos, programas sociais, juros altos ou qualquer outro pacote de maldades serão colocados na conta do PT. 

Um dia depois do golpe, a esquerda se reunirá para fazer um diagnóstico de seus principais erros. Quem estava no frescor do ar condicionado, sem nunca mais ter colocado o pé na rua, dirá que não tem nada com isso. Todos perguntarão perplexos como mais de uma década de governo popular possa ter resultado numa despolitização geral da classe trabalhadora. Outros se perguntarão o por quê de a esquerda ter se eximido de estabelecer discussões e disputar espaço em setores da classe média. Outros contarão por décadas a história do erro político de ganhar a eleição com a força do povo, depois da direita usar as armas mais sujas, e no dia seguinte, usar a agenda econômica do candidato derrotado. 

Um dia depois do golpe se perceberá que a direita não terá os mesmos pudores. Não haverá tanta preocupação com esse verniz de republicanismo. As "alianças" que alguns acreditavam ter com as elites se revelarão funcionais e risíveis. Quem antes acreditava na adulação falsa e mentirosa, despertará já sem nenhum poder. Os puxa-sacos desaparecerão, ficará apenas a ameaça de apodrecer na cadeia.

Um dia depois do golpe a agenda prioritária será botar fim à carreira política do Lula. Não tenham dúvida, ninguém correrá o risco de enfrentar o presidente do povo nas urnas. A direita não será tão condescendente com seus inimigos como o PT foi. Eles sim saberão defender seus interesses.

Um dia depois do golpe, o Presidente dos Estados Unidos dirá que o Brasil é soberano para decidir seu próprio destino e convidará para que em breve o novo presidente seja recebido num café da manhã na Casa Branca.

Cinquenta anos depois do golpe, as televisões e jornais apresentarão novamente seus editoriais envergonhados com o papel que exerceram para interditar o país e facilitar essa operação política. Documentos, outrora confidenciais, revelarão as "intervenções diplomáticas" em algumas das principais instituições brasileiras, que contou com aliados e "facilitadores" muito famosos na época.

Não sei se vai ou se não vai ter golpe. Mas que a internet sirva pelo menos para registrar a posição de cada um diante deste processo em curso. Com todas as minhas ressalvas e críticas à condução deste governo, ainda que na minha insignificância, digo com todas as letras: É GOLPE SIM!

sexta-feira, 11 de setembro de 2015



O “rebaixamento da nota” do Brasil por uma dessas agências de classificação, dá mostras claras da absoluta falência e ineficiência do remédio neoliberal como solução para a economia dos Estados, e no caso específico do Brasil, os erros da política econômica do segundo governo Dilma.

Mas antes de falar do caso brasileiro, vamos refletir sobre o que significa a negativação de um Estado, por parte de um escritório nova-iorquino.

O furor causado no governo e em determinados setores da sociedade, a partir do “rebaixamento da nota”, revela nitidamente um dos porquês da crise econômica, social e política mundo afora.

Os Estados estão de joelhos. Conjuntamente, está também subjugada a própria perspectiva histórica dos homens, incluindo o pensamento crítico, os direitos humanos, as experiências coletivas, a capacidade de reflexão e questionamento.

Estas empresas chamadas “agências de classificação”, mostram-se muito agressivas e cheias de si ao colocar a faca na garganta dos Estados. Porém, são incapazes de prever ou evitar o calote dos grandes conglomerados econômicos e a consequente socialização das perdas. Até porque essas agências pertencem e trabalham para os grandes especuladores das bolsas internacionais que vivem do “risco”. Estão permanentemente na roleta financeira, ao invés de produzir, gerando um “bem social” que pode se tornar coletivo, como a geração de empregos, riquezas, inovação, etc.

Os banqueiros e especuladores sequestraram os Estados. Sequestraram a política. Modelaram a economia mundial ao sabor de seus interesses mais imediatos, inibindo a capacidade empreendedora dos homens e produzindo uma espécie de “realidade paralela” que a humanidade aceita como única, inexorável, inquestionável e definitiva, sem refletir se “outro mundo é possível”. Estamos lutando uns contra os outros em benefício de um sistema sem cara e, por consequência, quase impossível de ser detectado como inimigo.

A política econômica do segundo Governo Dilma foi um equívoco. A começar por um grandioso erro político, desembocando numa imensa barrigada econômica.

O remédio neoliberal não funciona mais. Ao contrário, causa mais danos ao sistema imunológico das economias globais. Não seria diferente no Brasil. Vamos partir do princípio que a escolha seja de conviver nos limites possíveis do neoliberalismo globalizado. Pois então, nem para se manter nas condições da macroeconomia global esta receita velhaca funciona mais.

Vamos supor que nenhum “esforço fiscal” tivesse sido feito, ou seja, com corte de investimentos e gastos públicos, aumento de impostos, queda do financiamento, aumento de juros, quebra de garantias trabalhistas, etc; se nada disso fosse feito, ainda assim nossa economia estaria melhor. Na pior das hipóteses, estaríamos “despertando a mesma desconfiança” dos Mercados (com eme maiúsculo), porém sem tanta recessão, arrocho e ambiente político hostil. Dificilmente o dólar estaria um centavo maior sem o arrocho.

Até porque, o déficit fiscal não diminuiu, ao contrário, só aumentou por conta da queda de arrecadação, consequência da diminuição da atividade econômica. Mesmo a inflação, justificativa de todos os remédios amargos, continua alta, e pior, o aumento de preços acompanhado de desemprego e recessão econômica torna tudo muito mais insuportável para o trabalhador.

A verdade é que ninguém respeita quem se põe de joelhos, muito menos o Mercado.

Não adianta nada assumir apaixonadamente o receituário neoliberal. O Mercado não será mais ou menos “bonzinho” conosco por conta disso. Ao contrário, só quem acredita que o “remédio neoliberal” faz bem para os Estados são os estudantes “chipados” e os economistas “cabeça de planilha”. Os banqueiros e especuladores sabem muito bem que a receita que eles impõem, ao final, leva mesmo à desgraça. Portanto, melhor uma economia dinâmica que Eles critiquem do que a submissão e a apatia que Eles sabem serem sintomas de doença terminal.

Em nenhum lugar do mundo essa receita deu certo.

Muitos devem se lembrar do segundo mandato de FHC ou os últimos dias do governo Menem/ De la Rúa na Argentina. Ao cabo, o Mercado não tratou com consideração ou passou a acreditar mais nos dois governos por adotarem a cartilha do FMI com fervor.

Nenhuma submissão será premiada.

Ao ser ameaçado com o “rebaixamento de nota” dos Estados Unidos, o Presidente Obama fez questão de dizer em alto e bom som que ele era o Chefe de Estado e que as agências de classificação eram absolutamente irrelevantes.

A recuperação econômica dos Estados Unidos não compreende os principais parâmetros deste “ajuste fiscal”. Ainda que eles sejam a matriz do neoliberalismo e o mercado financeiro global seja uma das principais ferramentas de manutenção da hegemonia econômica estadunidense, o que se viu nos últimos anos foi uma série de incentivos à atividade econômica e recuperação do setor produtivo pós-crise, ainda que eles tenham a maior dívida externa do mundo e estejam à beira do chamado “abismo fiscal”.

É só olhar para a história do Brasil. Nossos melhores momentos foram aqueles em que estivemos “mais independentes” ou “menos subordinados”.

Não por acaso, estes momentos foram justamente aqueles em que sofremos maior pressão, ataque especulativo, ambiente político conturbado e imprensa incendiária.

Dilma errou na economia e errou na política. A coalizão progressista que tornou possível sua reeleição e sua base de apoio nas ruas foram postos a perder com a composição de seu ministério e a política econômica de seu segundo governo. Isso tem custado caro e deve custar mais caro ainda.

Tudo foi feito em nome da “governabilidade”, mas quem deveria ajudar a garantir a “maioria”, agora conspira na cara larga.

E a condução da política econômica que mobilizou tantos esforços e prometia ser o trunfo para dias melhores, agora é contaminada pelo ambiente político instável. Não adiantou nada.

As verdadeira aliança que deveria ter sido feita para garantir a governabilidade seria com o povo. Fazendo política! Disputando e ganhando espaço! Travando os grandes debates! Enfrentando os conspiradores!

Depois não diga que não avisamos...

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Sobre o menino morto no mar...


A queda do Muro de Berlim, transmitida pelas ondas televisivas mundo afora, foi celebrada como uma promessa de novos e felizes dias aos homens. 
As pessoas eram quase que obrigadas a celebrar a queda do muro. Muitos não entendiam muito bem o porquê. O que tinham a ver com aquela história que o repórter contava, fazendo força para chorar em frente à câmera. Estaríamos todos inaugurando uma nova etapa da nossa civilização.
Sem o muro – e a "ameaça socialista" – não haveriam mais fronteiras. 
Imediatamente, exigiu-se dos Estados mais pobres e desarmados que afrouxassem suas soberanias. Não haveria mais inimigos. Estaríamos todos em território comum.
A promessa sempre foi sedutora. Mas para alcançar o eldorado capitalista, deveríamos estar adequados à este novo tempo. O neoliberalismo exigiu (e exige) do homem um processo recivilizatório. Temos a permanente percepção de que estamos inadequados no mundo. Caso algo não ocorresse bem em nossas vidas, não haveríamos de identificar nenhum inimigo político ou estrutural. A culpa estaria dentro de nós mesmos. Deveríamos estar em condições de competir no Mercado, dentro dos novos padrões de eficiência.
Os anos 90 foi a década da explosão dos livros de autoajuda. Pronto! Passamos a ter em quase todas as prateleiras das livrarias (cada vez com menos livros, porém mais iluminadas e chamativas) manuais de como sobreviver neste novo mundo, seja no mundo profissional e corporativo, seja nas relações humanas cada vez mais marcadas pelas necessidades individuais e de euforia permanente. Sim, nossas relações pessoais passaram também a ser orientadas pela lógica descartável do consumo.
Não que o sonho dourado dos 90 tenha sido grande coisa. Na verdade, ele nunca passou de promessa. De ilusão. Tão frágil como um computador. Tão efêmero como uma super-liquidação. Tão instantâneo como uma novidade tecnológica.
Na prática, este sonho só pareceu possível de ser concretizado no quintal dos outros. Ou do outro lado da fronteira, do outro lado do mar.
Muitos se atiraram ao mar em jangadas, barcos, botes, nadando. Outros se entregaram aos chacais e foram perseguidos no deserto. Entregaram tudo o que tinham para narcotraficantes, aproveitadores e estelionatários para cruzar a fronteira dos Estados Unidos.
Por falar em fronteiras, descobrimos decepcionados que o mundo permanecia sim com muitas fronteiras, cada vez mais fortalecidas, eletrificadas, cercadas de cães selvagens e de seres humanos insensíveis que preferem perseguir seus semelhantes do que enxergar a olho nu a grande mentira deste sistema que nos prometia liberdade.
As fronteiras nunca foram tão vigiadas. Descobrimos estarrecidos que o mercado comum, os blocos econômicos, a zona do Euro, as comunidades internacionais e o mercado global permitem apenas a circulação de moedas, ações e mercadorias. Nós, seres humanos comuns de segunda classe, sobretudo os nascidos nas periferias do mundo, nunca fomos tão descartáveis e inconvenientes.
Devemos dar vivas e saudar as maravilhas da globalização ao desregularmos nossas garantias trabalhistas, nossas taxas alfandegárias. Devemos agradecer felizes ao perdermos nossos empregos, destruirmos nossas indústrias, abrimos mão das pesquisas. Ao entregarmos as riquezas naturais e minerais para os grandes cartéis internacionais.
Para obter lucro e estender os domínios deste “mercado comum”, o imperialismo construiu novas guerras. Derrubou governos, conspirou, despejou bombas e mais bombas em troca de dinheiro e petróleo. Atormentou as geopolíticas regionais. Desequilibrou o sistema político internacional. Enriqueceu genocidas, construiu novas ditaduras, se aliou a déspotas assassinos, grupos religiosos, desapropriou territórios, deixou milhões de seres humanos sem pátria e sem terra.
A “quebra das soberanias”, o desrespeito às culturas e particularidades locais, o sequestro dos Estados pelo Mercado. Tudo isso fortaleceu grupos ultraconservadores e o surgimento de atores não estatais com discursos turbinados no ódio e ressentimento, dois sentimentos que se tornaram o maior legado da ação imperialista no Oriente Médio.
O menino morto numa praia da Turquia é a imagem do fracasso, da violência, da injustiça e perversidade desta “nova civilização” que nos foi prometida. Famílias se atiram ao mar para fugir dos horrores das guerras e desequilíbrios da geopolítica global tentando alcançar a “civilização”. O que encontram são fronteiras mais rígidas, modelos econômicos cruéis e excludentes que só podem gerar em seus seres humanos mais crueldade e exclusão. Não há quem possa acolher os refugiados de guerra. Já estão todos desempregados e sob risco, não há espaço para a generosidade. 
O neoliberalismo joga um indivíduo contra o outro. Faz com que os seres humanos culpem a si mesmos. No esforço “recivilizatório” e na disputa insana por um lugar ao sol (ou à sombra), disputamos mesquinhos, cada espaço nas empresas, nos hospitais, nas universidades, no carnaval, nos aeroportos, nas faixas de trânsito, no estacionamento dos shoppings.
Perdemos a capacidade crítica. Não há outro mundo possível. As coisas são assim e pronto. Entregue seus donativos na entidade beneficente mais próxima e durma tranquilo. Os problemas políticos e conjunturais da nossa sociedade não são de nossa responsabilidade. Aliás, a política não presta. Estamos em guerra uns contra os outros. Somos todos mesquinhos e cruéis. Procuremos algum retiro espiritual ou alguma seita para segurar essa barra e rezar por nós mesmos. Vale tudo para que não tenhamos a coragem de denunciar a canalhice dos nossos tempos. O capitalismo! O imperialismo! O neoliberalismo! Este modelo que desgraça a humanidade e faz com que sintamos vergonha de sermos homens e mulheres!
Há quem chore pela foto do menino morto na praia da Turquia igual a uma Miss deseja a paz mundial em algum concurso de beleza.
Porém, no dia-a-dia das grandes cidades brasileiras, não pensa na dor do retirante, do desabrigado, do sem-terra, dos Haitianos que vieram pra cá acreditando que seríamos efetivamente diferentes, ou seja, mais misericordiosos, acolhedores, receptivos e menos racistas. Não somos!
Porém, há sim ainda no coração da nossa gente um amor que pode nos resgatar de tanta tristeza. Há ainda aquele sorriso lindo que haverá ainda de iluminar o mundo.
Efetivamente, existem aqueles que acham que as coisas são assim mesmo. Que não avançamos à barbárie. Que o mundo é dos mais fortes.
Mas existem no mundo os espíritos livres. Aqueles que tremem de indignação diante das injustiças. Quem não pode aceitar um menino de três anos morrendo no mar, nem nenhum outro ser humano tendo que buscar comida em meio ao lixo. Existem homens e mulheres que certamente irão lutar por um mundo que persiga o fim da fome, que cure os doentes, ao invés de bombas destrutivas. 
Estes haverão de construir um novo futuro!

terça-feira, 1 de setembro de 2015

A Existência Corinthiana


O Corinthians é tudo de mais lindo que eu tenho na vida.
É a pureza que insiste em permanecer na minha alma.
É a infância que resiste dentro de mim.
São as minhas memórias mais doces e felizes.
São também as tristezas e amarguras que me fizeram mais forte e mais firme.
Indo ao estádio aprendi a me virar. A ser homem. A ficar esperto. A admirar os coringão loco mais velhos. Descobri uma ética comportamental que não se aprende em faculdade nenhuma do mundo.
Falando do Corinthians aprendi a falar com todo tipo de gente. A sentar na calçada e trocar ideia com o cara que recolhe latinhas numa boa e aprender muito com ele.
Aprendi também a falar com meus chefes ao longo da vida, a perder o medo, me tornar mais seguro.
A verdade é que o Corinthians me deu as maiores noções de igualdade.
Eu amo muito o meu Corinthians.
Digo "meu" porque mesmo ele sendo gigante há um Corinthians íntimo e afetivo para cada um de nós.
Mesmo sendo uma nação, o Corinthians não perde aquele jeitão de time de bairro, de comunidade. Todo mundo se conhece.
Com o Corinthians aprendi a amar melhor. Um amor em que a gente se entrega, se vive, se joga. A amar sem ter medo de sofrer, porque ser Corinthiano é assim mesmo. Amar sem temer, sem dissimular, olhar no fundo dos olhos, falar do jeito que vier aquilo que vem do coração, beijar cheio de saliva, não medir as conseqüências. O Corinthians é um amor vagabundo.
Adoro ser Corinthians até no ódio dos adversários. Adoro ser do clube da gentalha, dos excluídos, dos marginalizados, dos maloqueiros, daqueles que nunca tiveram vez e nem voz, mas se fazem mais fortes em seu nome, meu coringão querido que eu tanto amo.
Muito obrigado por você existir.
Feliz Aniversário Corinthians, parabéns pelos seus 105 anos de superação.
Você é parte integrante de quem somos.
Aqui é Corinthians!