terça-feira, 31 de março de 2015

A Cultura do Selfie e a Experiência como Produto de Consumo



Nos cruzamentos de São Paulo, os camelôs não vendem mais chocolates a dois por dez, três por dez, cinco por dez, oito por dez, cinquenta por dez.
A moda agora é o "pau de selfie".
Pudera, promete ser interessante postar as auto-fotos nas redes sociais, mostrando aos nossos pares como a gente se vê no espelho. Receber instantaneamente um "Feed Back do Selfie", descobrindo se os outros nos veem da mesma maneira como nos vemos. Se realmente somos tão bonitos (ou no mínimo toleráveis) quanto nossa persistente autoestima insiste em nos convencer.
Honestamente, não sei se a cultura do selfie favorece o auto conhecimento ou a auto apropriação.
De certo, nos tornamos mais exibicionistas ou no mínimo encorajados a mostrar o próprio corpo.
Aqueles mais discretos e reservados podem exercitar o seu potencial voyeurista, dispondo de uma oferta generosa de poses, caras e bocas alheias.
Todos parecem conhecer seus melhores ângulos. A medida exata do sorriso. A posição mais adequada da câmera, afim de recortar o melhor extrato de si mesmo.
A paisagem de fundo se converte em uma mera moldura do "auto selfie em si próprio". Seja no Japão, no Guarujá ou no Himalaia. A paisagem não significa nada se não houver o registro documental de que você esteve por ali.
Muitas pessoas têm a chance de viajar e visitar locais incríveis, com paisagens magníficas. Mas não se dão conta que sequer puderam ver a incrível beleza do mundo com os próprios olhos. Viajaram por dezenas de horas e viram a exuberância do local apenas através de uma lente de câmera.
Não se permitem nem ao menos alguns minutos de contemplação à olho nu.
Um tempo da vida olhando calmamente uma montanha, uma floresta, uma cascata. Encher os pulmões com ar puro, sentir o cheiro e as vibrações que vem da natureza.
É preciso acelerar o passo! O dia é curto para visitar tantos locais diferentes e fazer novos registros fotográficos para mostrar a todos que você esteve ali, onde poucos estiveram.
Virou notícia nos jornais o tour que algumas pessoas fizeram no prédio que explodiu no East Village em Nova Iorque. Os turistas tiravam selfies sorridentes com o prédio destruído ao fundo. 


Ano passado, durante o velório do Governador Eduardo Campos, houve quem também tirasse selfie ao lado do caixão.
Há quem vá ao protesto para tirar foto ao lado da patrulha de choque.
Seja no paraíso ou na tragédia, o importante é poder dizer "eu estive lá".
Como em um álbum de figurinhas. Colecionar momentos, situações, experiências.
Na nossa sociedade tudo vira produto. Tudo é consumível. Tudo é quantificável. Tudo é perecível.
Tudo se converte em mercadoria. Sejam os bens de consumo ou mesmo as necessidades básicas pessoais (um dia também chamadas de direitos), como saúde, educação e segurança.
É assim inclusive com o conhecimento, a arte e até mesmo o amor.
A "experiência" também é mercadoria. Também é consumível. Também é colecionável. Também é acumulativa.
Estamos em permanente competição uns com os outros. Não à toa estamos tão esgotados, tão frustrados e impedidos de sermos felizes. Ou ao menos de estarmos conformados. Não podemos encostar em qualquer canto e deixar a vida passar. Simplesmente não podemos parar. Somos obrigados a continuar. A buscar o êxtase. A tirar uma selfie e mostrar pra todo mundo que estamos eufóricos e vivendo o melhor da vida.
Na verdade, estamos muito cansados. Pode até parecer frustração, porque é sempre preciso mais e agora o doce não tem tanto sabor como tinha tempos atrás. Mas estamos esgotados, só isso.
Precisamos de um tempo. Não precisamos de tanta coisa assim.
Só de uns bons amigos, uma mesa de dominó, um bom livro, uma rede, roupas simples e confortáveis, um amor sincero e generoso ao lado da gente.
Sem tanto barulho. Sem tanto estresse. Sem tantas pressões e exigências. E, acreditem, sem tantos flashes. Na verdade sem nenhum flash.
Estamos cansados.

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