domingo, 22 de junho de 2014

Futebol e a "desalienação"



Desde moleque eu ouço essa história de que o futebol serve para alienar as pessoas sobre a "verdadeira realidade". Que raios seria essa realidade para além das experiências e emoções do nosso dia-a-dia?


Hoje eu vejo quantos amigos legais e efetivamente combativos colecionei ao longo da vida por meio do interesse comum pelo futebol.

No meu caso, que sou corinthiano militante, posso dizer a vocês dos camaradas, homens e mulheres que tenho convivido que são verdadeiramente comprometidos e de uma inteligência admirável.


Estou certo que nas outras torcidas também se acumulam pessoas de extremo valor e de grande consciência.


Alienação que nada. Tenho conhecido gente criativa, solidária e sensível às grandes questões nacionais, para além do futebol.

Voltando à pergunta inicial, talvez essa "verdadeira realidade" que se tanto fala, se refira às relações políticas e de poder.


Ora, de maneira lúdica o futebol ensina muitos jovens - nascidos "sem voz" - a gritarem, berrarem, se expressarem.


Um grito sufocado, depois de exprimido, jamais se esconderá novamente no silêncio.


E quem convive num estádio de futebol, aprende que não se grita qualquer grito. Não se xinga qualquer xingamento. Nenhuma palavra deve ser despropositada e irresponsável, pois cada um tem compromisso com o todo e as ações não são vazias de sentido. O grito não é só um grito, senão uma ferramenta de mobilização coletiva na tentativa de intervenção na realidade dentro do campo, e muitas vezes fora dele.


É pedagógico para a vida da gente.


Alí, o moleque desafortunado aprende a exercer a própria liderança na relação com seus pares de torcida. O trabalho em equipe. O respeito mútuo. Aprende a ser responsável pelo o que faz e pelo o que diz, sob pena de desencadear consequencias. Assim é no futebol e assim é na vida da gente.


A Copa do Mundo, entre outras coisas, tem servido para que a sociedade entenda o papel positivo que podem prestar as torcidas orgnizadas, para além da questão endêmica da violência social.


Organizados somos melhores.


Nascemos para viver em sociedade.


Somos mais do que indivíduos soltos num estádio perfumado gritando cada um o seu grito, torcendo como consumidores e xingando como contribuintes.


Somos muito mais do que isso.


O estádio de futebol é muito mais do que um desfile de personalidades fúteis e sub-celebridades.


Quem é de verdade o alienado? O povão que muitos acusam de "ignorante" ou essa massa cheirosa perdida no individualismo que sequer consegue puxar um grito de torcida, para além de ofensas raivosas?


O estádio de futebol é o cenário de um jogo que é, na verdade, uma interpretação da realidade. Uma janela encantada por onde se aprende a enxergar a vida.


Quem se acostumou a experimentar o mundo a partir do futebol, tem muito a ensinar.


Ensinar a quem agora decidiu entrar nas arenas iluminadas e muito provavelmente vá embora depois do mundial para nunca mais voltar.


Mas se for para voltar (e tomara que voltem), desliguem a câmera e cheguem na humildade, pisando de mansinho, respeitando os velhos bambas. Assim como se faz numa boa roda de samba.

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