segunda-feira, 12 de maio de 2014

O preço dos ingressos em Itaquera e as escolhas históricas que o Corinthians deve fazer

Recupero aqui trechos de um texto que escrevi ano passado, mas que permanece atual após a inauguração do nosso novo estádio em Itaquera.



Há clubes que são famosos por seus esquadrões históricos. Outros são reconhecidos por suas taças e campeonatos. No caso do Corinthians, o que é decisivo na formação de seu torcedor é justamente a experiência de ser Corinthiano. 

Esta experiência existencial é definitiva e se sobrepõe a qualquer tipo de status. No nosso jogo, o que está em jogo é a identidade. É carregar para onde quer que se vá o Corinthians dentro de si, guardado no fundo do peito.

Do mesmo modo, é deixar no estádio de futebol despejada a melhor parte de nós mesmos. Estes retalhos de corações e almas que se amontoam do cimento até o gramado compõem o que conhecemos por Corinthians.

O Corinthians é o Time do Povo. Não é o Time do Pop.

A chegada de Ronaldo, cinco anos atrás, foi uma verdadeira revolução no Corinthians.

Havia um consenso quanto ao infinito potencial do Corinthians no mundo dos negócios. Ser bem sucedido no “mercado da bola” seria fundamental para a realização de grandes sonhos esperados em nossa história. Sonhos que sonhamos desde o início de nossos dias. Uma realização que alguns especulavam como impossível de se concretizar.

Quando Ronaldo, o jogador mais espetacular e bem sucedido do futebol moderno escolheu o Corinthians para jogar, como forma de restaurar a sua imagem, concluir com sucesso a sua carreira e também ganhar muito dinheiro, houve um efeito decisivo na maneira como o Corinthians passou a ser visto pelos profissionais e investidores do futebol.

No passado, tivemos “pernas de pau” que passaram pelo Corinthians sem condições de reconhecer as possibilidades que se abriam e agindo com indiferença diante deste monstro chamado Corinthians, Depois de Ronaldo, nenhum outro jogador pôde deixar de reconhecer esta oportunidade.

Este foi o maior legado do Fenômeno.

As portas se abriram. O futebol no Brasil se profissionalizou ainda mais. Abriu-se a oportunidade para que os clubes negociassem mais do que jogadores, mas o valor de suas marcas.

E o Corinthians deslanchou.

Foi tudo tão rápido. Não nos falta nenhum campeonato, nem Centro de Treinamento e agora nem estádio. Todos os nossos “complexos” foram enterrados.

Olhamos para o futuro e sentimos certo temor, pois não nos reconhecemos totalmente.

A demanda por ingressos dos jogos aumentou muito nos últimos anos. O time vencia e a oferta era restrita para tanta paixão.

Voltemos à questão da experiência. Para o corinthiano, não basta o time vencer. Desde que nos entendemos por gente, nós queremos mesmo é viver o Corinthians. Estar com o Corinthians. Participar da história do Corinthians. Viver em comunidade. Compartilhar o Corinthians com os nossos irmãos. Exercitar a solidariedade tão característica entre os Corinthianos.

Mas a oferta restrita diante da demanda provocou um processo gradual de exclusão de torcedores apaixonados que cada dia mais foram “distanciados” dos estádios.

Não há nada que exista no Corinthians que não exista no conjunto da sociedade.

E o que dói no peito do Corinthiano, mas do que as derrotas no campo é a Exclusão Social.

Como quem pode mais chora menos, os torcedores mais pobres assistem um Corinthians próspero, mas gradativamente inalcançável.

E talvez, estes torcedores mais pobres sejam aqueles que mais sofrem com esta exclusão, pois o Corinthians era algo que compensava tantas outras perdas. A oportunidade de experimentar algo fantástico. A porta de entrada para a história, para a vida social e para a cultura popular foi de repente batida na cara do povo pobre.

Se a injustiça social é a principal causa da violência urbana que fere a alma de tantos brasileiros no dia-a-dia, o afastamento do torcedor pobre tem causado o “insolidarismo” entre os Corinthianos.

Neste momento, os torcedores apontam os dedos na cara uns dos outros, como que cobrando pela ruptura de um Corinthians que pouco a pouco vai se transformando.

Repetindo, não há nada no Corinthians que não exista no conjunto da sociedade. Simplesmente porque o Corinthians não está fora desta sociedade, igualmente, é parte integrante desta. Tudo bem, talvez a melhor parte. Mas é parte do todo. E a política continua se fazendo com as mesmas ferramentas de sempre.

O novo estádio de Itaquera é realmente fantástico. Impactante. Certamente será decisivo na construção de um “novo tipo de torcedor”. O ambiente será determinante para o jeito corinhiano de torcer. Não adianta fechar os olhos. Ainda bem que este estádio foi construído em Itaquera.

Se todos lamentamos as injustiças. Se por vezes denunciamos o descaso com o torcedor nos estádios de futebol, não devemos então relutar ao imaginar o nosso povo desfrutando um espaço confortável e bonito para exercer a antiga paixão.

Se sonhamos com bairros melhores, com infraestrutura urbana, esporte, lazer e educação, não tem porque deixar de desejar que nosso torcedor possa frequentar um lugar tão bonito e bacana.

Trata-se apenas de pensar para quem este Corinthians continuará existindo.

Assim como não adianta a gente lamentar a riqueza ou o crescimento do Brasil, trata-se também de discutir como essa riqueza será distribuída para o bem-estar social dos nossos cidadãos.

Estamos diante das mais importantes escolhas históricas e os torcedores devem sim agarrar pelas unhas o Corinthians que aprendeu a amar.

O Corinthians sabe de seu infinito potencial para num futuro próximo lutar de igual para igual com as grandes potencias do futebol mundial.

Sabe também que para que isso ocorra é preciso muito dinheiro e eficiência.

Mas talvez, os principais artífices desta reforma na gestão do Corinthians não tenham ainda entendido o que realmente a fiel torcida ambiciona.

Queremos sim vencer. Confirmar o potencial de nosso povo para as conquistas. No futebol e pedagogicamente para além dele. Mas não queremos um Corinthians inalcançável para nossa gente.

O período em que nossa torcida mais cresceu, foi coincidentemente quando ficamos décadas sem um título sequer. Santos e Palmeiras eram os clubes paulistas que estavam entre os grandes do futebol nacional. Ainda sim crescemos mais.

Por que seria? O povo gosta de sofrer? Hoje tudo é muito diferente?

Nada disso. A questão era a identidade social. A maneira como o Corinthians jogava era a mesma maneira como a vida de seu povo era vivida. O time dos pobres, retirantes, imigrantes, favelados era o Coringão no Nosso Coração, o Bão!

Esse povo lutou e continua lutando. Vencendo obstáculos. E não vai deixar de vencê-los.

Não temos perder nossa conexão com a vida social da nossa gente.

Se agora temos uma melhor condição econômica. Que bom! Isso não deveria ser um problema. Mas devemos tomar uma decisão definitiva para o futuro. Manter o Corinthians próximo da realidade de seu povo.

Não importa que a gente não vença todos os campeonatos possíveis. Não importa que não tenhamos sempre um esquadrão vestindo nossa camiseta que deve ser pra sempre preta e branca. O que não pode ocorrer, é que o Corinthians deixe de nos pertencer. Que escorregue entre os nossos dedos. Que ele crie asas e voe de nossas vidas simplesmente porque não temos mais dinheiro para acompanhá-lo.

O futebol – e em especial o Corinthians – atende a um propósito muito maior do que o entretenimento desportivo. É cultura, identidade. É a maneira como a gente projeta de verdade quem a gente é.

Se os argumentos sociais não são suficientes para os burocratas do futebol ou os marketeiros de plantão que imaginam terem inventaram o mundo. Vamos então falar de negócios.

Existe um discurso predominante – simplesmente porque os engomadinhos falam à rodo e não há ninguém para contestar – fruto da sanha neoliberal de nossos tempos, de que o futebol é um negócio como outro qualquer.

Pois bem, não existe somente um modelo de negócios possível.

Aliás, não é por acaso que o Corinthians tem faturado tanto com patrocínio e propaganda.

Acreditem, não é obra de nenhum gênio do Marketing Comercial. Veja, o Corinthians é a porta de entrada para a nova classe média.

As grandes empresas arregalam seus olhos para este filão de mercado que só vai crescer. O mercado exterior vê com interesse este novo ator econômico e social que veio para ficar.


Não faz sentido o Corinthians, justamente neste momento, virar as costas para este povo.

Quarenta e três por cento da receita do Corinthians vem de direitos de televisão. Dezoito por cento de patrocínio e publicidade. Estas receitas dependem efetivamente do interesse do consumidor, basicamente, a paixão do corinthiano. Este interesse pelo futebol não se mantém aleatoriamente. A cultura de frequentar o estádio de futebol é decisiva na formulação da experiência do torcedor. É na arquibancada que o torcedor é formado. Onde ele se torna fanático, ou um consumidor interessante para o mundo dos negócios.

“Esfriar” o torcedor Corinthiano, para que ele se transforme em algo diferente do que ele efetivamente é, torna-se no mínimo uma estupidez.

Sem contar que para além dos negócios, isso seria uma violência cultural e histórica.

Manter a paixão Corinthiana, zelar por nossas tradições e manter a identidade social entre o Corinthians e seu povo são tarefas fundamentais daqui por diante.

O Barcelona que é o clube mais bem sucedido do mundo do futebol fez suas escolhas históricas, mantendo sua conexão com seu povo. Deixou de ganhar alguns bilhões se vendendo para certos tipos de faraós? Não se sabe. Mas certamente fez uma escolha justa que lhe confere um papel de destaque no cenário internacional.

Não queremos ser o Barcelona, nem o Chelsea, nem o Manchester, nem ninguém.

Nós queremos continuar sendo o Corinthians!

E vamos lutar contra o apartheid nos estádios, da mesma forma que devemos lutar contra a exclusão nas grandes cidades.

O Corinthians é do povo.



Estamos felizes com os títulos. O estádio vai ser mágico. Mas sem o povão lá dentro não vai ser nunca o estádio do Corinthians de verdade.




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