quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O Lado B dos Rolezinhos. Demoramos muito tempo para servir o "Bolo"






Não há problema nenhum em ser conservador.
Considero, inclusive, que os conservadores são necessários no mundo. Não muitos, mas alguns são sim necessários.
Logo, não deveria existir problema que uma pessoa se assuma como sendo de direita. Sinceramente, entendo o raciocínio e até mesmo algumas das motivações de alguns direitistas.
O grande problema é que no Brasil a direita é escravocrata.
Os conservadores desejam manter justamente esta sociedade verticalizada em que alguns poucos são proprietários de todas as coisas e inclusive de todas as pessoas nesta nação. Desejam conservar as velhas hierarquias e sentem calafrios diante dos lampejos de transformações sociais, tão necessárias para a superação da miséria da injustiça e inclusive da precarização do nosso capitalismo.
As desigualdades e injustiças estão tão introjetadas na vida mental dos brasileiros que quando alguém propõe qualquer discussão em torno da distribuição de renda, de bate pronto é taxado como comunista. Ainda que a redistribuição das riquezas seja a base do sucesso dos principais países capitalistas no mundo.
Se o fim da escravidão é algo tão difícil de ser superado no Brasil, imagine a Guerra Fria. Ainda não concluímos as questões históricas do século XIX, as do século XX são ainda temas restritos aos "visionários".
O grande problema de ter uma direita tão atrasada no Brasil é que muitas vezes os progressistas se vêem obrigados a retroceder para não ficar à frente do processo histórico.
Muitas vezes mantemos posições cruas e simplistas, sem levar em conta as diferentes variáveis da questão porque a qualidade do inimigo não ajuda.
Temos que marcar posição hoje para tentar avançar mais a diante.
Exemplo disso é a questão dos "rolezinhos".
Para além do interesse dos shoppings em proteger seu patrimônio e cumprir a promessa de ser um espaço de bem-estar alienado à vida social, como assim desejam seus freqüentadores que não têm nada a ver com as tempestades sociais que ocorrem do lado de fora. Isso seria responsabilidade do governo. Para além de tudo isso, estamos obrigados a pensar em questões como o racismo, o preconceito, a exclusão social e os limites entre o público e o privado.
Mais uma vez nos vemos obrigados a "marcar posição".
A verdade é que entre tantas coisas que já foram ditas para defender a "posição" de quem luta por justiça social, ficamos sem poder demonstrar nossa perplexidade quanto ao fato de termos chegado tão "longe" na degradação da nossa sociedade.
Sequer podemos "admirar a grande obra" do liberalismo.
As escolas sucateadas e a nossa juventude "lutando" pelo acesso ao shopping center.
Deveríamos dizer que essa molecada deveria aprender a respeitar o próximo. A respeitar os mais velhos. A ficar mais esperta. A ser mais bem educada. Valorizar o conhecimento e não dar tanta importância para as armadilhas do consumismo.
Mas estamos num estágio bem anterior.
Não podemos ainda falar em deveres, pois o ciclo de acesso aos direitos e à justiça ainda não foi cumprido.
Se existe um "recado" básico que a elite pedagogicamente ensina para o conjunto da sociedade é que: no país do "sabe com quem você está falando"  as leis, as regras e as normas de conduta são coisas inventadas para o povão. Os ricos sempre estiveram acima do sistema, acima das normas e até mesmo acima das leis.
Nosso sistema hierárquico é bem complexo. Existe o poder, o dinheiro, as fardas, as togas, os cargos, a fama, o crime, a "popozuda", a moral, o malandro e assim vai. Até chegar lá embaixo no "Zé Mané". O problema é que ninguém quer ser o "Zé Mané".
Pagamos hoje um preço alto, talvez justo, pelos séculos de escravidão. Assumimos os custos da nossa negligência. Por não termos realizado uma Reforma Agrária. Pagamos caro por termos atrasado tanto para combater à miséria. Da demora em enfrentar a questão da distribuição de renda.
Na década de 70, em pleno "Milagre Econômico", o então ministro Delfim Neto disse que era preciso fazer o bolo crescer, para depois reparti-lo. 
Pois bem, o bolo cresceu muito. O Brasil verdadeiramente é um país rico. Muito rico. Mas o bolo ainda não foi dividido.
De um tempo pra cá, o bolo foi colocado à mesa.
Igual aquele Bolo do Bixiga que serviam nos dias de aniversário da cidade de São Paulo. O mundo todo assistia, e nós morríamos de vergonha, com o bolo sendo devorado em segundos. As pessoas avançavam umas sobre as outras e colhiam com as mãos a maior quantidade possível de bolo. Jogavam em sacolas plásticas e levavam para casa. 
Talvez estejamos vivendo este momento na nossa história. Vejam que o bolo nacional não foi integralmente servido. Apenas uma pequena parte. Ou servimos este bolo de uma vez por todas com solidariedade, mas também com regras claras e transparentes ou não esperem que sejam cumpridas nenhuma norma ou procedimento de bons costumes.
O triunfo do liberalismo construiu uma sociedade pautada pelo individualismo exacerbado.
Um novo tipo de homem, bem diferente dos indivíduos do século passado em que as grandes guerras, ideologias, sonhos e movimentos nos colocavam em grandes empreendimentos e aspirações coletivas.
Agora as coisas são mais simples. Você vale o que você tem.
O dinheiro é a principal via de acesso para alcançar o prestígio. Existem outras como o poder, a fama e até o crime. Cada um joga com o que tem e de acordo com suas possibilidades.
Desde cima da pirâmide o conhecimento passa longe das aspirações dos indivíduos. Não se fala mais em homem, mas em consumidor.
O consumo é a via de acesso à cidadania.
Ora, como esperam que se comportem os moleques da periferia? Os modelos que estão dispostos para que sejam reproduzidos são estes.
Nada muito diferente do comportamento e valores dos jovens de classe alta e classe média.
O que muda é apenas as possibilidades de aspirações.
Vivemos os transtornos próprios das transformações sociais. A mobilidade social provoca ruídos ensurdecedores, derruba cristais e incomoda os acomodados.
O Jeca Tatu morreu há tempos. As pessoas custam a  crer que após anos de violência social e injustiça, os pobres perderam a sua doçura. Não são os conformados de sempre. Não sentem preguiça. 
Os pobres não são mais subordinados e isso provoca ressentimento e perplexidade na classe média.
Não aceitam qualquer coisa e isso tira o sono dos políticos.
Não procuram os sindicatos, mas o shopping center e isso atormenta a esquerda.
Nossa convulsão social se dá de maneira peculiar e desorganizada. A juventude está sim protestando e querendo ser ouvida. Sofre e chora. Mas de uma maneira que talvez ninguém consiga entender.
Porém, uma coisa está nítida. O Brasil deve escolher como lidar com esta situação. Ou aceitamos o fato de que somos todos iguais. Nos acostumamos a compartilhar o bem-estar social, dividimos os espaços nos shoppings, no transporte coletivo, nos aeroportos, nas universidades, no carnaval e nos hospitais. Ou continuamos optando pela exclusão.
As coisas não se resolvem do dia para a noite, mas talvez o Brasil esteja diante de sua gigantesca escolha histórica.  
E se fizermos a escolha errada, não só abriremos mão da possibilidade de sermos um dia uma grande nação, como pagaremos um preço infinitamente mais alto do que pagamos agora. Falo de violência.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Por que o estranhamento com o Funk Ostentação?



(via Facebook)



Nego constrói uma sociedade pautada no individualismo exacerbado.


Onde as experiências e empreendimentos coletivos são diminuídos em detrimento da autopreservação pessoal.


Uma sociedade em que você vale o que você tem.


Onde o dinheiro é a única forma de alcançar prestigio.


Em que conhecimento e a educação se tornaram valores de "gente alternativa".


Depois acham esquisito a molecadinha da periferia cantar essa bosta de Funk Ostentação.


Desde cima da pirâmide não se fala mais em humanidade, mas em consumidores. Mas esperam que os moleques falem de fores e de amores.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O Maranhão é aqui! Em SP



Curioso ver meus conterrâneos paulistas abismados com a situação no Maranhão, onde ônibus são incendiados pelo crime organizado e as instituições estão fragilizadas por conta da “coronelização” implementada pela família Sarney durante décadas.

Ora, se não me falha a memória, São Paulo que sempre foi considerada a “Locomotiva do Brasil” está a mais de três décadas sob jugo do mesmo grupo político que controla as nossas instituições desde 1982.

É bem verdade que Orestes Quércia se elegeu em 1986 para o Palácio dos Bandeirantes em dissidência com boa parte do campo majoritário do PMDB, feito que contribuiu decisivamente para a criação do PSDB em 1988.

Porém, tanto no Governo Quércia, como no governo de seu sucessor Fleury, a atual “tropa de choque” do PSDB de São Paulo estava devidamente acomodada nas principais funções da burocracia estatal paulista.

O fato é que apesar da perplexidade paulista com o poder de Sarney no Maranhão, nosso estado está imerso em uma espécie de “coronelismo yuppie”, desde os anos 80. Ainda que tenham ocorrido breves dissidências no comando do Palácio dos Bandeirantes, as principais estruturas de governo e de comando em São Paulo estão blindadas por décadas.

Seja nas Polícias, no Detran, na Dersa, na Sabesp, no Metrô ou nas empresas privatizadas nas grandes confrarias dos quatrocentões que borbulharam pedágios neste estado insuportavelmente caro.

Lembra muito aquele Funk dos anos 90 que cantava assim: “Ta dominado, ta tudo dominado”.

É justo dizer que os governos tucanos foram eleitos democraticamente, na maioria das vezes com ampla maioria dos votos. Muitas eleições foram ganhas em primeiro turno, com a força do voto dos paulistas e também pela incapacidade das oposições apresentarem um projeto alternativo viável, com um candidato que tivesse reais condições de vitória.

Porém, é descabido enxergar o Maranhão como uma realidade tão distante dos paulistas. Seja na política e na administração pública, seja nas distorções sociais.

A elite paulista continua colocando o estado a serviço de seus interesses corporativos.

O parlamento permanece subserviente ao executivo e entregue gostosamente à agenda do Palácio dos Bandeirantes.

As oposições, na incapacidade de se articularem como forças políticas alternativa, compõem acordos sazonais em troca de cargos e alguns benefícios que deem alguma sobrevida política, já que o debate está cada vez mais diluído na população cada vez mais despolitizada.

A imprensa dispensa cobertura jornalística desequilibrada. Os inimigos do PSDB paulista são fuzilados e os grandes escândalos na gestão estadual recebem tratamento generoso e complacente. Em alguns municípios, os órgãos de imprensa regionais recebem anúncios generosos das empresas públicas paulistas. Perseguem as gestões municipais dos adversários políticos dos tucanos e alavancam as candidaturas dos aliados.

Prefeitos “inimigos” são esmagados pelas empresas públicas estaduais como a Sabesp que intimida as gestões “não simpáticas”, esburacando as cidades com obras mal acabadas em período eleitoral e estrangulando financeiramente as prefeituras.

Desde a morte do ex-governador Mário Covas, o partido do governo estadual disponibilizou apenas dois candidatos para o cardápio do eleitorado paulista, sejam em eleições para Presidente, Governador ou Prefeito. São eles: José Serra e Geraldo Alckmin.

Infelizmente, o cenário de São Paulo não é tão diferente do que ocorre Brasil afora.

No entanto, é importante que a opinião pública paulista saiba que não estamos tão distantes do Maranhão como imaginam.

Muito embora nós paulistas certas vezes prefiramos nos enxergar como nova-iorquinos, se olharmos com atenção a absurda má distribuição das riquezas, veremos que “o Haiti é aqui”, que a Somália é aqui e que o Maranhão é aqui.

Quanto à queima dos ônibus e a morte de inocentes nos ataques terroristas do Crime Organizado, é desnecessário dizer que isso virou rotina em São Paulo de um tempo pra cá.

Lamento frustrar a auto-imagem forjada por nós paulistas. Mas é só viajar um pouco e enxergar um Brasil que cresce. Mesmo com os problemas históricos sociais e estruturais. Enquanto isso estamos estagnados e submersos à paralisia.   

Estamos mais para Maranhão do que para Nova Iorque.