sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Elogio ao amor vagabundo



Saudemos aqueles que amam demais.
Que se desperdiçam pelas esquinas transpirando paixão.
São nobres os que não fazem contas na hora de amar. 
Que não puxam o extrato para verificar o saldo e saber se mais amou ou se mais foi amado. Se mais recebeu ou se mais foi doado.
Bem aventurados os despudorados. 
Aqueles que exibem seus corpos deliciosamente. Que não escondem a pele, a barriga, os pelos, as marcas colecionadas ao longo da vida. 
Que não sentem vergonha de tudo aquilo que nos torna humanos. 
Parabéns aos otimistas. Os generosos que enxergam o melhor na natureza do outro. Aqueles que miram o charme ao invés do defeito. 
Saudações aos que desprezam a soberba. Que não se crêem os mais belos dos belos. Os que não estão com o copo totalmente cheio. Que não perdem a capacidade de regozijar por alguém que habita além de seu espelho.
Graças aos desmoralizados. Aos que queimam na inquisição social por não aceitarem o controle, o pragmatismo, a moral e as normas de conduta.
Felicitações aos fodidos de tanta paixão. 
Que se abrem feito mala velha e se arriscam em nome do amor, já que há tempos prevalece a ferrugem nos sorrisos e nem os santos tem ao certo a medida da maldade.
Dedico um cálice de saliva aos que não se perdem em nojos tolos. Aos que não precisam de perfumes nem cremes. 
Aqueles que suam. Os que olham no fundo dos olhos e vão no fundo do corpo, no fundo da alma e transbordam.
No mundo da auto-ajuda, premiemos aqueles que se ajudam mutuamente.
Na era do consumismo, felizes daqueles que preferem as pessoas às mercadorias, ainda que homens e mulheres não tenham garantia contra defeitos originais.
Se acaso for verdade que chegamos ao fim da história, preservemos os seres humanos que ainda mantém um acréscimo de desejo e se renovam em novas e velhas histórias de amor.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

As Escolhas Históricas que o Corinthians deve Fazer.


O Corinthians tem perdido seus últimos jogos. Não faz gols há um zilhão de anos. Algumas contratações não deram certo. Outras ainda não despertaram.
Desde que o Corinthians se converteu em Campeão do Mundo - e seu esquema tático passou a ser estudado pelos principais (e também “não principais”) analistas de futebol nacionais e internacionais como um “case” de sucesso - o técnico Tite parece ser incapaz de se atualizar e apresentar variações táticas capazes de surpreender os adversários.
Apresenta-se para os Corinthianos o fim de um ciclo, e necessariamente o começo de outro. Alguns jogadores sentem nas pernas o peso da idade, ou o peso do bolso parece limitar maiores ambições do que as anteriormente conquistadas. Falta desejo. Falta o “encanto”.
Este “encanto” parece ser algo muito subjetivo para os profissionais planilheiros e tecnocratas de um futebol cada dia mais pragmático.
Porém, é necessário dizer que esse time que se converteu em campeão do mundo jamais se configurou como um súper time.
Houve um pacto coletivo entre o departamento de futebol e comunidade corinthiana, objetivando a conquista da Copa Libertadores e o triunfo no Japão. A expectativa geral de um feito histórico motivou os jogadores.
Era um time muito querido. Jogadores de sucesso no mundo da bola, porém que não foram verdadeiros ídolos em lugar nenhum. A maioria deles com considerável “rodagem”. Ainda que não fossem craques, eram os chamados jogadores de “jogo difícil”. Gostavam de partidas grandes. Sabiam decidir.
Foi um momento ímpar em nossa história, que para sempre será recordado.
Mas, como disse anteriormente, este time dependia desse “encanto” que também não é uma coisa só. É muito difícil de explicar em poucas palavras. O fato é que este “encanto”, como não poderia deixar de ser, haveria de acabar em algum momento. E acabou! Talvez tenhamos ainda alguns lampejos, mas estão mais para instantes de contemplação, do que um projeto futuro estável.
Mas o que se percebe, é que embora a “crise” de esgotamento deste elenco atormente os torcedores do Corinthians, não é a seqüência de jogos que preocupa verdadeiramente a comunidade.
A verdade é que estamos diante de grandes escolhas históricas daqui por diante.
A “crise” em si, é coisa do mundo da bola. Acontece de tempos em tempos. Nada desesperador, principalmente para o torcedor conrinthiano que projeta no clube uma representação fantástica da vida, com época de vacas gordas e também de vacas magras. Até que o Corinthians em crise fica muito mais próximo de quem a gente é de verdade.
Não somos colecionadores compulsivos de campeonatos.
O que diferencia o Corinthians das outras equipes é que mais do que títulos e esquadrões, o que encanta é a experiência de ser corinthiano. Isso sim é definitivo.
Logo, a crise no âmbito do futebol não é tão complicada. Isso se resolve.
O que preocupa mesmo é a crise nesta “experiência” de ser corinthiano.
Vou tentar ser mais preciso a diante.
O Corinthians é o Time do Povo. Não é o Time do Pop.
A chegada de Ronaldo, quatro anos atrás, foi uma verdadeira revolução no Corinthians.
Havia um consenso quanto ao infinito potencial do Corinthians no mundo dos negócios. Ser bem sucedido no “mercado da bola” seria fundamental para a realização de grandes sonhos esperados em nossa história. Sonhos que sonhamos desde o início de nossos dias. Uma realização que alguns especulavam como impossível de se concretizar.
Quando Ronaldo, o jogador mais espetacular e bem sucedido do futebol moderno escolheu o Corinthians para jogar, como forma de restaurar a sua imagem, concluir com sucesso a sua carreira e também ganhar muito dinheiro, houve um efeito decisivo na maneira como o Corinthians passou a ser visto pelos profissionais e investidores do futebol.
No passado, tivemos “pernas de pau” que passaram pelo Corinthians sem condições de reconhecer as possibilidades que se abriam e agindo com indiferença diante deste monstro chamado Corinthians, Depois de Ronaldo, nenhum outro jogador pôde deixar de reconhecer esta oportunidade.
Este foi o maior legado do Fenômeno.
As portas se abriram. O futebol no Brasil se profissionalizou ainda mais. Abriu-se a oportunidade para que os clubes negociassem mais do que jogadores, mas o valor de suas marcas.
E o Corinthians deslanchou.
Foi tudo tão rápido.
Não nos falta nenhum campeonato, nem Centro de Treinamento e agora nem estádio.
Todos os nossos “complexos” foram enterrados.
Olhamos para o futuro e sentimos certo temor, pois não nos reconhecemos totalmente.
A demanda por ingressos dos jogos aumentou muito nos últimos anos. O time vencia e a oferta era restrita para tanta paixão.
Voltemos à questão da experiência. Para o corinthiano, não basta o time vencer. Desde que nos entendemos por gente, nós queremos mesmo é viver o Corinthians. Estar com o Corinthians. Participar da história do Corinthians. Viver em comunidade. Compartilhar o Corinthians com os nossos irmãos. Exercitar a solidariedade tão característica entre os Corinthianos.
Mas a oferta restrita diante da demanda provocou um processo gradual de exclusão de torcedores apaixonados que cada dia mais foram “distanciados” dos estádios.
Não há nada que exista no Corinthians que não exista no conjunto da sociedade.
E o que dói no peito do Corinthiano, mas do que as derrotas no campo é a Exclusão Social.
Como quem pode mais chora menos, os torcedores mais pobres assistem um Corinthians próspero, mas gradativamente inalcançável.
E talvez, estes torcedores mais pobres sejam aqueles que mais sofrem com esta exclusão, pois o Corinthians era algo que compensava tantas outras perdas. A oportunidade de experimentar algo fantástico. A porta de entrada para a história, para a vida social e para a cultura popular foi de repente batida na cara do povo pobre.
Se a injustiça social é a principal causa da violência urbana que fere a alma de tantos brasileiros no dia-a-dia, o afastamento do torcedor pobre tem causado o “insolidarismo” entre os Corinthianos.
Neste momento, os torcedores apontam os dedos na cara uns dos outros, como que cobrando pela ruptura de um Corinthians que pouco a pouco vai se transformando.
Prova disso foi a mágoa de muitos torcedores que não puderam participar da Festa de Aniversário do Corinthians no último final de semana.
Esta festa que deveria mesmo ser encarada como um evento corporativo, que ocorre todos os anos nas grandes empresas, causou certa confusão.
Repetindo, não há nada no Corinthians que não exista no conjunto da sociedade. Simplesmente porque o Corinthians não está fora desta sociedade, igualmente, é parte integrante desta. Tudo bem, talvez a melhor parte. Mas é parte do todo. E a política continua se fazendo com as mesmas ferramentas de sempre.
O novo estádio de Itaquera é realmente fantástico. Impactante. Certamente será decisivo na construção de um “novo tipo de torcedor”. O ambiente será determinante para o jeito corinhiano de torcer. Não adianta fechar os olhos. Ainda bem que este estádio foi construído em Itaquera.
Se todos lamentamos as injustiças. Se por vezes denunciamos o descaso com o torcedor nos estádios de futebol, não devemos então relutar ao imaginar o nosso povo desfrutando um espaço confortável e bonito para exercer a antiga paixão.
Se sonhamos com bairros melhores, com infraestrutura urbana, esporte, lazer e educação, não tem porque deixar de desejar que nosso torcedor possa frequentar um lugar tão bonito e bacana.
Trata-se apenas de pensar para quem este Corinthians continuará existindo.
Assim como não adianta a gente lamentar a riqueza ou o crescimento do Brasil, trata-se também de discutir como essa riqueza será distribuída para o bem-estar social dos nossos cidadãos.
Estamos diante das mais importantes escolhas históricas e os torcedores devem sim agarrar pelas unhas o Corinthians que aprendeu a amar.
O Corinthians sabe de seu infinito potencial para num futuro próximo lutar de igual para igual com as grandes potencias do futebol mundial.
Sabe também que para que isso ocorra é preciso muito dinheiro e eficiência.
Mas talvez, os principais artífices desta reforma na gestão do Corinthians não tenham ainda entendido o que realmente a fiel torcida ambiciona.
Queremos sim vencer. Confirmar o potencial de nosso povo para as conquistas. No futebol e pedagogicamente para além dele. Mas não queremos um Corinthians inalcançável para nossa gente.

O período em que nossa torcida mais cresceu, foi coincidentemente no período em que ficamos décadas sem um título sequer. Santos e Palmeiras eram os clubes paulistas que estavam entre os grandes do futebol nacional. Ainda sim crescemos mais.
Por que seria? O povo gosta de sofrer? Hoje tudo é muito diferente?
Nada disso. A questão era a identidade social. A maneira como o Corinthians jogava era a mesma maneira como a vida de seu povo era vivida. O time dos pobres, retirantes, imigrantes, favelados era o Coringão no Nosso Coração, o Bão!
Esse povo lutou e continua lutando. Vencendo obstáculos. E não vai deixar de vencê-los.
Não temos perder nossa conexão com a vida social da nossa gente.
Se agora temos uma melhor condição econômica. Que bom! Isso não deveria ser um problema. Mas devemos tomar uma decisão definitiva para o futuro. Manter o Corinthians próximo da realidade de seu povo.
Não importa que a gente não vença todos os campeonatos possíveis. Não importa que não tenhamos sempre um esquadrão vestindo nossa camiseta que deve ser pra sempre preta e branca. O que não pode ocorrer, é que o Corinthians deixe de nos pertencer. Que escorregue entre os nossos dedos. Que ele crie asas e voe de nossas vidas simplesmente porque não temos mais dinheiro para acompanhá-lo.
O futebol – e em especial o Corinthians – atende a um propósito muito maior do que o entretenimento desportivo. É cultura, identidade. É a maneira como a gente projeta de verdade quem a gente é.
Se os argumentos sociais não são suficientes para os burocratas do futebol ou os marketeiros de plantão que imaginam terem inventaram o mundo. Vamos então falar de negócios.
Existe um discurso predominante – simplesmente porque os engomadinhos falam à rodo e não há ninguém para contestar – fruto da sanha neoliberal de nossos tempos, de que o futebol é um negócio como outro qualquer.
Pois bem, não existe somente um modelo de negócios possível.
Aliás, não é por acaso que o Corinthians tem faturado tanto com patrocínio e propaganda.
Acreditem, não é obra de nenhum gênio do Marketing Comercial.
Veja, o Corinthians é a porta de entrada para a nova classe média.
Pouco interessam (neste caso) os conceitos do que vem a ser o padrão de classe média, mas efetivamente, trata-se da classe em que houve maior mobilidade social nos últimos anos.
Embora as diferenças sociais continuem gritantes e escandalosas, os mais pobres tem aumentado sua renda comparativamente de maneira muito mais acelerada do que o topo da pirâmide, em termos relativos, obviamente.
As grandes empresas arregalam seus olhos para este filão de mercado que só vai crescer.
O mercado exterior vê com interesse este novo ator econômico e social que veio para ficar.
Não faz sentido o Corinthians, justamente neste momento, virar as costas para este povo.
Quarenta e três por cento da receita do Corinthians vem de direitos de televisão. Dezoito por cento de patrocínio e publicidade. Estas receitas dependem efetivamente do interesse do consumidor, basicamente, a paixão do corinthiano. Este interesse pelo futebol não se mantém aleatoriamente. A cultura de frequentar o estádio de futebol é decisiva na formulação da experiência do torcedor. É na arquibancada que o torcedor é formado. Onde ele se torna fanático, ou um consumidor interessante para o mundo dos negócios.
“Esfriar” o torcedor Corinthiano, para que ele se transforme em algo diferente do que ele efetivamente é, torna-se no mínimo uma estupidez.
Sem contar que para além dos negócios, isso seria uma violência cultural e histórica.
Manter a paixão Corinthiana, zelar por nossas tradições e manter a identidade social entre o Corinthians e seu povo são tarefas fundamentais daqui por diante.
O Barcelona que é o clube mais bem sucedido do mundo do futebol fez suas escolhas históricas, mantendo sua conexão com seu povo. Deixou de ganhar alguns bilhões se vendendo para certos tipos de faraós? Não se sabe. Mas certamente fez uma escolha justa que lhe confere um papel de destaque no cenário internacional.
Não queremos ser o Barcelona, nem o Chelsea, nem o Manchester, nem ninguém.
Nós queremos continuar sendo o Corinthians!
E vamos lutar contra o apartheid nos estádios, da mesma forma que devemos lutar contra a exclusão nas grandes cidades.
O Corinthians é do povo.

Estamos felizes com os títulos. O estádio vai ser mágico. Mas sem o povão lá dentro não vai ser nunca o estádio do Corinthians de verdade.