Pra mim cachorro é cachorro.
Cachorro grande, pequeno, branco, preto, cinza, marrom.
Sei que os vira-latas, mestiços iguais a mim, são mais fortes e com maior chance de superar as adversidades e condições excepcionais.
Agora eu tenho um lhasa apso.
Aprendi a escrever esse nome nesta ocasião.
Minha filha veio morar comigo e trouxe consigo um cachorrinho branquinho, já de oito anos de idade, que mais parece um ursinho de pelúcia.
Fiquei tão feliz com a chegada da minha filha que fui obrigado a aceitar o cãozinho que dedica boa parte do seu dia mijando em lugares estratégicos da casa. Grande sacana. Outro dia peguei ele no flagra levantando a perninha pra soltar um leve jato de mijo na porta do banheiro. Quando ele percebeu minha presença, disfarçou sua atitude, saindo dissimuladamente com a perna meio esticada como se estivesse brincando de saci-pererê.
Outra tarefa a que ele se dedica com galhardia é pedir comida.
Mas só quando ele vê alguém comendo. Caso contrário ele fica de boa.
Ele tem uma estratégia pra ganhar algum belisco. Fica de pé, levanta as orelhas, olha nos olhos, no prato de comida, retorna para os olhos, bota levemente a língua para fora, pisca os olhos (um de cada vez). Faz cara de bonzinho. Cara de coitado. E finalmente acaba ganhando um pedaço de qualquer coisa.
É um artista, o filho de uma cadela.
Me lembra o Zé Colmeia e penso que sou um estúpido por cair sempre no mesmo truque.
Minha filha passa os fins de semana com a mãe e me deixa responsável pelo Krypto. Esse cachorro tem me ensinado a lidar melhor com a diversidade sexual. Quando saio com ele a caminhar pelas ruas da Bela Vista sou tecnicamente um gay. Veja, moro quase na esquina com a Rua Frei Caneca.
Tá cada dia mais complicado manter a minha fama de mau, caminhando com um cachorrinho fofo e gracioso que aparenta uma permanente doçura.
Na hora de mijar na minha estante ele não é nenhum pouco delicado.
Quem conhece o Krypto, sabe que é um cachorro maloqueiro. Vira-latas mesmo. Se pudesse ele fumaria charutos, beberia uísque e faria algumas farras com as cadelinhas do bairro.
Mas não dá pra explicar isso a cada um que nota na rua um cara de um metro e noventa caminhando com um bichinho de aparência tão delicada.
Mas resolvi encarar as duas coisas. Saio com o cachorro numa boa, até porque quanto mais ele mija na rua, menos mija na minha casa. E também assumi o amor pelo Krypto. Vou fazer o que? Acabei me afeiçoando ao bichinho.
Qualquer dia mando cortar o pinto dele fora pra nunca mais mijar nas minhas coisas.
Quando ele morrer, imagino que o seu céu vai ser um lugar cheio de coisas para se mijar e cheio de comida caindo do alto. Deve ser assim.