domingo, 10 de fevereiro de 2013

Lei Seca sem transporte público = Apartheid

O endurecimento dos critérios para impedir que os motoristas brasileiros dirijam após terem consumido álcool, ainda que em pequenas quantidades deve sim ser apoiado pela sociedade.

Os acidentes de trânsito se converteram num flagelo brasileiro. Milhares de pessoas morrem todos os anos, com números assustadores, superiores aos de muitas guerras pelo mundo.

Muitas famílias brasileiras perderam entes ou amigos queridos por conta dos desastres nas ruas e estradas brasileiras. A mistura de álcool e direção é um dos fatores que mais contribuem para estas tragédias.

Os políticos perceberam que este é um tema muito sensível à sociedade brasileira.

Na impossibilidade, incapacidade ou desinteresse de melhorar as condições infraestruturais da malha viária brasileira, as políticas públicas coercitivas parecem alcançar resultados mais rápidos e eficazes. Aumentam a arrecadação dos cofres públicos e divide com o cidadão a responsabilidade na melhoria dos índices de traumas e mortes em acidentes de trânsito.

Uma verdadeira cruzada do poder público, da mídia e da sociedade civil converteu a questão em "tolerância zero".

Fica muito difícil propor reflexões e estabelecer debates sobre o tema, pois as paixões estão inflamadas e qualquer discussão técnica sobre a questão pode condenar os dissidentes ímpios a uma espécie de fogueira santa.

Muitos se transformaram em sacerdotes seguros de si quando o tema é a Lei Seca.

Durante o carnaval, até mesmo o Governador de São Paulo vestiu o colete fluorescente e liderou a blitz policial.

Ta tudo muito bem. Não sou eu que vou questionar a importância destas iniciativas.

Mas uma pergunta fica no ar.

Se os governos tem sido extremamente eficientes na apreensão de veículos e prisão de motoristas infratores, qual política pública esta sendo proposta para oferecer alternativas ao cidadão que deixa seu carro em casa para se divertir a noite?

Muitos desejariam que as pessoas ficassem em casa, não se apropriassem do espaço público, concentrassem suas energias para o trabalho e renunciassem à convivência social.

Transporte público nas grandes cidades brasileiras parece ser um direito apenas para que os indivíduos se desloquem na ida e na volta do trabalho.

E olhe lá, porque na maioria das vezes os ônibus são latas de sardinha, desconfortáveis e precárias.

Aos fins de semana, quando a oferta de transporte poderia ser mantida, possibilitando uma viagem mais confortável ao cidadão, os ônibus simplesmente desaparecem.

Ano passado, fiquei sem carro durante um bom período.

Um passeio simples com minha filha se tornou uma tarefa das mais difíceis.

Utilizar os taxis exige muito dinheiro porque para se deslocar dos bairros para a região central, onde estão os principais "aparelhos" da cidade, gasta-se muitas dezenas de reais.

Anos atrás, os automóveis eram coisa de gente rica.

Nos dias de hoje, por incrível que pareça, os carros e motos são itens de primeira necessidade principalmente para os pobres. Sobretudo os que vivem nas periferias.

Em São Paulo, o transporte público funciona predominantemente em horário comercial. Fora isso, quem precisa cruzar a cidade deve manter um carro, nem que seja um "pau velho" parcelado em infinitas prestações.

É muito fácil fazer propaganda e dizer para as pessoas deixarem o carro em casa quando forem a uma festa, show ou balada.

Mas quais alternativas estão sendo oferecidas para que o cidadão deixe seu carro em casa?
Nas madrugadas de São Paulo não existem ônibus nem Metrô.

Os grandes eventos e casas noturnas estão concentrados predominantemente da região central da cidade.

A periferia padece sem alternativas de cultura e lazer.

Aos pobres estão permitidos apenas os botecos de esquina com mesa de sinuca. Violência e diversão se confundem. Sem cultura e educação, os indivíduos estão marginalizados da cena dos grandes eventos de São Paulo. Alguns se limitam a uma disputa estúpida de personalidades em uma mórbida competição de "orgulho macho" onde a noite começa no boteco e muitas vezes termina no hospital ou no necrotério.

E não se trata apenas de gerar eventos culturais na periferia. Ora, as pessoas querem ocupar a cidade. Visitar seus pontos turísticos. Gozar a vida na paulicéia desvairada. Apropriarem-se dos espaços públicos.

O sono dos conformados parece estar garantido caso as pessoas deixem de sair para procurar diversão.

Mas se as ações da Lei Seca devem ser aplaudidas, devemos também denunciar o apartheid a que estão submetidos os paulistanos que vivem nos bairros mais distantes.

Sim, porque quem mora nos bairros centrais gasta muito menos com taxi do que aqueles que precisam cruzar quilômetros pelas avenidas de São Paulo.

E aos que consideram exagero falar em apartheid, devem olhar com mais atenção como foi construído o regime de separação na África do Sul.

Foram construídas cidades e bairros para os brancos e outros para os negros. A diferença é que no bairro dos negros simplesmente não havia transporte que ligasse este espaço às regiões exclusivas dos brancos. Não haviam muros nem cercas. Simplesmente não havia transporte.

Estão todos muito satisfeitos com o rigor da Lei Seca, mas sem investimentos equivalentes em transporte público noturno este discurso não passa de hipocrisia e exclusão!


Um comentário:

  1. Concordo inteiramente, esta HIPOCRISIA chamada lei seca, apenas serve para desviar a atenção da população, para encobrir a INCOMPETÊNCIA do poder publico em combater a verdadeira violência que é o tráfico, assaltos, sequestro, enfim toda sorte de desgraça que assola o brasileiro. É muito fácil falar para usar o transporte publico ou taxi. Seria, se existisse um transporte de qualidade, mas nossa autoridades não tem COMPETÊNCIA para isso. Se não tomam atitude alguma com a mesma tolerância Zero, contra o crime, transporte, saúde, fica fácil ferrar com o motorista, que não ameaça policial, delegado, juiz, por que é simplesmente um trabalhador honesto, que vai para casa depois de mais um dia chato de trabalho sem poder tomar nem uma latinha de cerveja. VÃO CUIDAR DE BANDIDO DE VERDADE BANDO DE CAGÃO!

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