terça-feira, 6 de novembro de 2012

Faltou Garganta



Um lindo domingo de sol no Pacaembu.
Um dia perfeito para ver o Coringão do nosso Coração, o bão!
O quarto título brasileiro chagava rapidamente. Para irritação geral dos “razoáveis” de plantão.
O sucesso do Corinthians é algo insuportável para alguns. Demoramos décadas para conquistar um título nacional e mesmo assim incomodávamos demais.
Não esqueço de quando eu era moleque. Os “antis” diziam que o Corinthians não tinha patrimônio. Que até mesmo a Portuguesa tinha mais patrimônio do que a gente, já que a sua propriedade no Canindé, mais próxima do Centro, valeria mais do que a Fazendinha e seu precário estádio. Aliás, até o Juventus tinha mais patrimônio que o Corinthians.
Pode parecer estranho, mas até alguns anos atrás, o patrimônio de um clube se resumia à suas propriedades imobiliárias e os passes de alguns jogadores. Ninguém falava em “valor da marca” e potencial de consumo da torcida.
Pois os tempos mudaram, e o Corinthians se tornou um investimento interessante para todo tipo de investidores. Os sérios e os aventureiros.
Mas o fato é que o maior patrimônio do Corinthians é (e sempre foi) a sua torcida. E no nosso caso isso não é mera retórica.
Isso possibilitou que em 2005, tivéssemos um time recheado de craques. Uns bons e outras malas que preferimos esquecer.
Mas o grande ídolo era Carlitos Tevez.
O cara veio parar no Corinthians meio por acaso. Um presentinho para amolecer a torcida e facilitar as coisas pro lado do Kia. Mal sabia ele que seu maior erro era ter confiado no Dualib. Mas essa é uma outra história.
Acontece que o Tevez se identificou rapidamente com a gente corinthiana.
Maloqueiro, favelado, lutador, habilidoso, perseguido e com grande espírito de superação. Tudo a ver com o Corinthians.
A chegada de Tevez por um valor milionário causou um incômodo absurdo nos adversários. E para desespero geral ele foi o grande destaque naquele ano de 2005.
Dia 6 de novembro era dia de Corinthians x Santos.
De todos os anticorinthianos, ninguém odeia mais o Corinthians do que o Santos.
O santista sabe que simplesmente não existiria sem o Corinthians. Até mesmo o Pelé só virou rei “se fazendo” em cima do Corinthians. Tempos difíceis aqueles.
O santista odeia tanto o Corinthians que chega até mesmo a torcer para Palmeiras ganhar, só para ver o corinthiano ficar puto. Não foram poucas vezes que ouvi alguns santistas dizendo que o Palmeiras era simpático (eca) e que gostava de ver o clube alviverde vencendo suas partidas para que os corinthianos não ficassem tão cheios de si.
Portanto, é uma delícia vencer o Santos! Eles querem morrer...
Corinthians x Santos, para mim, é o segundo clássico mais importante do estado de São Paulo. Tem muita tradição. Só não supera o Corinthians x Palmeiras.
Naquele dia foi difícil chegar ao Pacaembu. Tudo lotado. Procuramos um lugar para sentar. Um senhor muito simpático pulou três cadeiras para a direita, desta forma foi possível todos os nossos amigos se sentarem um ao lado do outro. Agradeci e fiz algum comentário relativo jogo daquela tarde. O senhor me mostrou uma faixa que cobria seu pescoço. Depois abriu a boca e apontou seu indicador para dentro, fazendo sinal de negativo com o dedo. Não tinha mais suas cordas vocais. Apontou novamente para seu pescoço e fez um sinal com os dedos indicador e médio como se fosse uma tesoura, querendo dizer que sofreu uma cirurgia.
Mas a cada lance daquele jogo era possível compreender com clareza seus comentários. Seus olhares e gestos valiam mais do que mil palavras.
Como companhia, o velho carregava um radinho de pilha.
As pessoas se lembram do sete a um, mas se esquecem que o jogo não começou fácil.
Depois de uma tabela com Tevez, Rosinei recebeu a bola de frente para o gol e abriu o placar para o Corinthians.
Mas logo em seguida, o Santos empatou.
Tevez foi para a grande área e colocou novamente o Corinthians em vantagem.
Euforia no Pacaembu. Abracei o velho e ele olhava fundo nos meus olhos querendo dizer: “Vamos ganhar essa porra”. Suas sobrancelhas estavam comprimidas e ele estava muito concentrado.
Alguns santistas dizem que o time entregou aquele jogo para o Corinthians. Deveriam avisar isso para o Marinho, zagueiro corinthiano que ofereceu uma bola fácil, obrigando grande defesa de Fábio Costa.
Todo mundo estava apreensivo. Fazia tempo que o Corinthians não vencia o Santos que vinha em grande fase, ainda com um residual de escárnio pelo título de 2002 e as pedaladas do Robinho.
Fomos para cima. Aos trinta e seis minutos do primeiro tempo, Carlitos recebeu a bola na grande área. Com surpreendente noção de espaço e distância, girou o corpo e colocou com simplicidade no fundo do gol santista. Três a um já no primeiro tempo. A vitória estava próxima. O título certamente chegaria.
Na televisão, Galvão Bueno lamentava: “deixaram o Tevez dominar”!
O Santos voltaria mais forte no segundo tempo?
O que se viu foi um massacre Corinthiano.
Os gols foram surgindo um atrás do outro. A verdade é que o Corinthians perdeu outros tantos. Poderia ter sido uma vitória de dez ou onze a um. Quem sabe?
Fizemos sete. Três gols de Tevez, dois de Nilmar, um de Rosinei e outro de Marcelo Mattos, de falta, no final da partida.
Foi um jogo para gritar do começo ao fim. E o que não sai da minha cabeça é o velho que tinha perdido sua voz.
Com sete gols numa partida, representando um castigo tão esperado pelos corinthianos, aquele senhor não podia gritar.
A cada gol eu o abraçava. Ele fazia gestos. Em vários momentos ele chorava. Enxugava suas lágrimas, respirava fundo e logo tinha de se levantar novamente para pular.
Ele socava o ar. Cerrava os dois punhos com força. Dava tapinhas no pescoço e sorria para mim. Dava palmadas ao vento simulando uma surra desmoralizadora.
Ao final da partida nos cumprimentamos com carinho. Adquiri um profundo respeito e compaixão por aquele velho corinthiano.
Que jogo!
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Rafael Castilho

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