sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Sempre tem um idiota.


A moça pagava a passagem do ônibus apoiada na catraca.
Entregou uma nota de vinte reais e o cobrador respondeu:
- Rapaz, não tenho troco. Espere um pouco para ver se eu consigo trocado, senão você desce sem pagar.
A moça usava fones de ouvido e logo procurou o primeiro assento livre. O cobrador olhou bem no rosto dela e falou em voz alta:
- Desculpe, pensei que tu fosses rapaz. Por isso te chamei de rapaz.
A moça ficou em silêncio. Era uma morena alta, um pouco acima do peso, sem maquiagem ou brincos. Usava uma camiseta do Iron Maiden e tinha um cabelo de roqueira. Não era uma mulher bonita, mas estava longe de ser confundida com um homem.
O cobrador insistiu. Falava mais alto e com uma expressão facial que obrigava a moça a tirar os fones de ouvido:
- Eu te chamei de rapaz, desculpe. Pensei que fosse rapaz.
A moça respondeu timidamente:
- Tudo bem.
Sentei-me ao lado dela. Por um segundo tive o impulso de dizer que ela não se parecia com um homem. Que o cobrador estava louco. Pensei até em dizer que ela era bonita, mas o prolongamento daquela conversa poderia ser mais incômodo ainda. Então fiquei em silêncio.
O cobrador insistiu pela terceira vez, e aquilo começou a me deixar puto. Estava a ponto de esculachar aquele estúpido sem noção:
- É que eu juro que pensei que você fosse homem. Pensei que fosse homem.
A moça respondeu com uma voz tímida. Um pouco melancólica, mas nada agressiva. Na verdade, ela tinha a voz bonita e muito feminina:
- Não faz mal. Isso sempre me acontece. Já estou acostumada.
Em seguida comprimiu os lábios. Olhou para a paisagem de maneira fixa. Franziu um pouco a testa. Depois fechou os olhos por alguns segundos. Agora abria os olhos e mordia levemente o lábio inferior.
Queria lhe dizer algo bom, mas sinceramente não sei o que podia fazer por ela. Sequer poderia saber se aquilo de alguma maneira a magoou ou a ofendeu. Tenho que perder definitivamente a minha fantasia infantil de onipotência. Deixar de supor que posso controlar todo o ambiente que me cerca e que algum gesto meu pode mudar o rumo das coisas.
Durante muito tempo fui assim. Quando me sento em uma mesa com algumas pessoas e percebo que uma delas está incomodada, descontente ou desconfortável, não posso simplesmente concentrar-me na minha perspectiva. Tenho que inutilmente tentar sanar aquele incômodo para finalmente poder relaxar. Comer e beber tranquilamente. Grande bobagem. Estupidez. Más lembranças. Um dia entro com mais profundidade em certos fantasmas.
Agora estava lá, hipnotizado pela moça roqueira que escolhia a próxima canção em seu play list do ipod.
Ela chegou ao seu destino. O cobrador ainda não tinha troco e orientou a moça a descer pela porta da frente.
Antes dela descer ele a chamou com um psiu:
- Desculpa aí, heim?
Ela ajustou a mochila nas costas e foi embora.



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