terça-feira, 26 de julho de 2011

Amy Winehouse x Anders Behring Breivik



Durante o último fim de semana o mundo dividiu sua atenção entre dois acontecimentos tristes.
A cantora Amy Winehouse foi encontrada morta em sua casa sem uma causa confirmada, mas com uma explicação imaginada e aguardada por todos: os excessos da cantora.
Ainda que Amy tenha sido um prato cheio para a imprensa sensacionalista, seus inúmeros fãs sentiram muito a perda da artista. Na porta de sua casa, além de flores, foram deixadas garrafas de bebidas e cigarros.
Mas por que as pessoas, mesmo sabendo da dependência de Amy se solidarizaram tanto com ela e admiraram enormemente sua figura que transbordava o seu gigantesco talento?
Por que tantas pessoas se identificavam com o universo de excessos de Amy Winehouse?
Ora, a sociedade está farta do conservadorismo. Vivemos em um tempo pragmático, em que todas as ações são calculadas. Todas as atividades humanas devem ter uma equivalência prática, com resultados previsíveis e com retorno econômico garantido.
Somos persuadidos a cuidar dos nossos corpos não como forma de alimentar o espírito e a sanidade, mas para transformá-lo em um objeto de consumo, adequado para os padrões estéticos aceitos pela indústria cultural.
As campanhas antidrogas, antitabaco, anti-gordura, anti-álcool, visam a manutenção da integridade física do indivíduo. Mas sozinhas e isoladas elas não podem ser eficazes porque o homem não pode ser limitado a uma mera ação de preservação individual, sendo roubada dele a possibilidade de contribuir para as transformações de seu tempo. Vivemos sob um único modelo imposto: a sociedade de consumo. O indivíduo está alienado da sua própria existência.
O outro acontecimento triste, e muito mais grave, foi o massacre ocorrido na Noruega pelo genocida Anders Behring Breivik.
O pensamento político conservador, nos últimos cem anos, se organizou no combate ao comunismo. As correntes de pensamento que visavam a manutenção do status quo, construíram teorias políticas e econômicas para dar conta do avanço marxista.
Com o desmonte dos Estados socialistas, o comunismo deixou de ser uma ameaça. Os esforços foram então concentrados na implantação global do neoliberalismo, criando uma comunidade internacional propensa para o ambiente de negócios.
O neoliberalismo não se sustentou por três décadas, e os Estados que optaram por desmontar sua capacidade produtiva em nome do capital especulativo entraram em grave crise e ao longo dos anos desmontaram os seus instrumentos de proteção social.
Como as elites criaram teorias políticas e econômicas para legitimar ao longo dos anos seu modelo de Estado, com o naufrágio de suas economias o pensamento político conservador entrou em crise.
As teorias conservadoras não podem mais se limitar ao anti-marxismo. Também não podem proclamar o livre mercado e o liberalismo econômico porque o mundo está à beira de um colapso e depressão econômica.

Portanto, esta crise no pensamento conservador liberou todo tipo de sentimento preconceituoso, racista e xenofóbico, alimentado ao longo dos anos através do MEDO do comunismo. Agora, este sentimento de MEDO está desorganizado e os monstros estão libertos buscando na internet um guia prático de “holocausto: faça você mesmo”.
A decadência econômica da Europa ainda não desencadeou no crescimento das forças progressistas porque estas levam mais tempo para se organizarem, pois dependem de consenso e coerência. Já o pensamento fascista ou neonazista não depende de coerência alguma. Ao invés de culpar os grandes bancos pelo desmonte do Estado de bem-estar social europeu, alguns vermes subprodutos do ódio cometem assassinatos buscando reconhecimento e exibicionismo. Querem romper a invisibilidade a que o próprio sistema os condenou.
Quando todos já especulavam que o ataque seria realizado por fundamentalistas islâmicos ou de extrema esquerda veio um forte e ardido tapa na cara.
O ataque foi realizado por um estúpido direitista ressentido.
E o inimigo do genocida era justamente o inimigo propagandeado pelos bushes: o “eixo do mal” e os imigrantes.
O Brasil foi citado por diversas vezes no “documento” de Anders.
O motivo seria a nossa mestiçagem que teria enfraquecido a nossa raça.
Lembrei-me na hora do grande Darcy Ribeiro falando da raça brasileira em seu discurso sobre a nossa mestiçagem.
Nossa cor incomoda e agride aos “limpinhos”. Seríamos frutos de uma “pulada de cerca” original. Ou seja, somos subversivos pela própria natureza. Confesso que isso me agrada muito.
Este episódio deveria ser ao menos uma lição para a nossa elite branca euro centrista.
A irreverência de Amy Winehouse e a paixão que ela despertou.
 O genocídio na Noruega.
Estes são dois lados de um mesmo temor: Os conservadores!
Seja no neonazismo europeu, no tea party estadunidense ou na “gente diferenciada” brasileira, a tentativa de a extrema direita chegar ao poder preocupa muito mais a humanidade do que o aquecimento global.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A Viuva do Samir

              Todo ser humano tem reservado para si uma porção de dias destinados a protocolos sociais. O homem nasce, se batiza, cresce através dos anos, cumpre seus ritos religiosos, aquele que pode se forma na universidade, casa, enche a laje, faz mudanças, fica doente e finalmente morre. Em todas essas ocasiões ele deve contar com testemunhas que averigúem a veracidade desses fatos, contribuam para sua realização ou que ao menos sirvam de platéia para que o show da vida tenha um mínimo de audiência.

              Por isso somos obrigados, mesmo contra a nossa vontade, a irmos em aniversários, casamentos, nascimentos, formaturas e primeiras comunhões. Outras vezes devemos ajudar nas obras ou com a mudança na casa de um amigo ou parente. De todos esses compromissos o mais interessante me parece o velório. Não só porque é quando se findam as obrigações com aquele determinado indivíduo, mas principalmente porque é o mais teatral de todos.

             Por mais sinceras que sejam as intenções ou sentimentos dos participantes desse evento, é pitoresco apreciar as demonstrações explícitas de afetividade pelo defunto em questão. Muitas vezes existe um comitê organizador que decide quem serão os escolhidos a carregar o caixão até o seu destino final. Carregar a alça do caixão te torna uma das estrelas do espetáculo. Deixa-se de ser um mero coadjuvante para se tornar peça chave no momento derradeiro da história do indivíduo. Todos procuram especular o laço de afinidade entre os carregadores e o morto. Muitas vezes, alguém mais próximo se sente desprestigiado por não lhe sobrar nenhuma alça sequer. É como se o morto lhe tivesse feito uma desfeita. Muitos abandonam os prantos e passam a revolta pura e simples.
             No entanto, ninguém pode superar no velório a estrela maior do espetáculo: A VIUVA! Daí pode-se averiguar boa parte do caráter do sujeito que abotoou definitivamente o paletó. Se a viúva for muito contida, logo vão dizer que o defunto era um traste, ou pior, que era corno. A viúva clássica e virtuosa deve demonstrar com toda a sua volúpia o desespero ao perder seu companheiro. Deve deixar claro que parte de sua vida ela enterra junto com o caixão.
            Outro dia fui ao enterro do Seu Samir. Tudo muito bonito e organizado. O caixão era tão lustroso e refletia o rosto de cada um que se aproximasse do corpo. Encostado na parede, ao lado das muitas coroas de flores estava a tampa com um crucifixo dourado que contrastava belamente com aquela madeira reluzente.

             A viúva estava impecável. Não pela beleza, mas pela dramaticidade. Olhava o rosto esquálido do Seu Samir que morrera de câncer. Dizia alto para que todos ouvissem:
- Olha Samir, meu amor, eu nunca te abandonei. Acompanhei por todos esses nossos quarenta anos. Até ao Líbano fomos juntos. Mas agora Samir, vou ter que te abandonar. É a única vez que vou te deixar na vida.
             Enquanto proferia seu discurso inflamado os funcionários responsáveis trataram de levantar a tampa que descansava tranquilamente na parede imediatamente atrás ao caixão e sugeriam que já bastava. Agora deveriam cumprir o horário determinado para a cerimônia e terminar com aquilo tudo. Esse deve ser um trabalho delicado. Ao mesmo tempo em que faz parte da rotina lacrar caixão e que dificilmente o profissional terá algum tipo de vínculo afetivo com o morto, deve-se ter sensibilidade e manejo para escolher o momento ideal, e pronto! Encerrar o serviço.
               Mas a viúva era atenta e a cada momento em que os agentes se preparavam para dar o bote ela abria o berreiro. Precisaram duas amigas ou cunhadas para afastar a Dulce do caixão para que o enterro, enfim, terminasse.
               Não conhecia a família do Seu Samir, mas me agradava muito ouvir as histórias do velho sobre seu passado glorioso. Não no exército, mas nas orgias. Dizia sempre:
- Filho, nas minhas festas eram dois mocinhas pra cada amigo meu. Mas sem sacanage. Cada um comia os duas que escolhe. E nesse tempo não tinha esse AIDS não. O máximo era um gonorréia, mas isso em uma semana já tava pronto. Ai que tempo bom. Meu bastola era igual ao seu, ficava durinho. Agora só fica até a metade.
Ele gargalhava.
               Contava sempre a mesma coisa. Acho que o velho morreu feliz. Brincou bastante. Até na morte, sua esposa Dulce havia cumprido seu papel de viúva inconsolável com louvor. Foi perfeito para ele. Do início ao fim. 

                O Seu Samir fumou demais e o corpo não agüentou.

              Fiquei resignado no meu canto. Bem afastado do caixão. Embora seja fascinante a face de um morto. A expressão do cadáver parece revelar seu último pensamento em vida ou talvez o primeiro em morte, não sei. Não me atrevi chegar perto. A concorrência era muito grande e nem ele acreditaria que estaria presente ao seu último evento.
              Pensei que nunca mais ouviria falar nas histórias do Seu Samir. Mas por uma enorme coincidência passei a conhecer o seu outro lado. O de marido dedicado.
        
          Outro protocolo. Almoço de aniversário. Daqueles mais intimistas em que não podemos nos esquivar. A idéia sempre é ser visto ou abordado o mínimo possível.
           Mas o almoço era num apartamento. Era quase impossível não ser visto e o contato era absolutamente inevitável.
              Adoro a cozinha, sentei-me na cadeira e me servi de uma xícara de café enquanto observava a preparação do almoço. Toca a campainha. Ouço um grito estridente:
- OLÁÁÁÁÁÁÁÁÁ, meu amor, como está linda e blá blá blá...
               Para a minha surpresa era a viúva do seu Samir.
               Porra, que mundo pequeno. Agora sim fui apresentado. Sentou-se imediatamente a minha frente. Tentava evitar, mas era impossível eu deixar de olhar aquela figura alegórica. Vestia um vestido florido, maquiagem forte e absolutamente coberta por jóias. Sinceramente, não sou um perito em autenticidade, mas as jóias pareciam reais. Uns seis ou sete colares. Pérolas, ouro e diamantes todos misturados no mesmo pescoço. Anéis em todos os dedos. Pulseiras e brincos. Por último, mas não menos importante estava um gato branco que não largava de forma nenhumas. As oportunidades em que o gato tentava escapar era imediatamente preso entre os seios fartos e desajustados da Dulce.
               Morava na cobertura em frente ao prédio. Era um bairro caro de São Paulo.
              O almoço era de comida árabe, com tudo o que se tinha direito. Trocavam-se dicas culinárias e eu resolvi assistir a tudo. A dona da casa também era viúva. Havia vivido  no Líbano e eram vizinhas também naquele país. Era certo que a Dulce, a viúva do Samir, não havia me reconhecido, mas fatalmente a conversa emigrou para o Líbano e começou o show de lamentações.
- Dona Dulce, eu conheci o Seu Samir. Considerava-o um amigo, muito embora fosse bem mais jovem do que ele.
- AHHHHHHHHHHHHHHH, meu Deus. Venha aqui, meu filho lindo.
                Tive de beijá-la. Agarrou-me com força e logo seus olhos marearam.
- O Samir sempre teve o espírito jovem. Por isso a amizade de vocês. Que lindo, meu Deus. Sobre o que conversavam?
                Respondi rápido:
- Sobre ciência.
- Ciência?
- Pois, é. Ele tinha uma visão muito particular das coisas do mundo e adorava falar sobre o comportamento humano também.
- Eu nem sabia que lhe interessavam essas coisas, mas o Samir era muito inteligente. Nunca no mundo vai haver um homem tão inteligente como o Samir. Tudo o que tenho, graças a Deus, vem do esforço e da inteligência do Samir. Agora não tenho quase nada mais. Gastei tudo, até o último centavo para pagar o tratamento do Samir. Com o que sobrou, mal consigo pagar o condomínio do meu apartamento que é muito bom. Graças a Deus e ao Samir.
                   Samir e Dulce não tinham filhos. O único faleceu em um acidente de carro. Isso eu já sabia, mas procurei evitar tocar no assunto.
                   Perguntou se eu não conhecia nenhuma moça ou rapaz de confiança que quisesse pagar um aluguel para ajudar nas despesas com o apartamento.
- Dona Dulce, existe rapazes e moças na minha Faculdade que procuram justamente isso. Quanto pensa em cobrar?
- Bom, o condomínio é de três mil e quinhentos reais. Penso que por mil e quinhentos eu poderia alugar o quarto de hóspedes. É uma suíte com banheira.
                  Comecei a duvidar de sua sanidade. Nenhum universitário que vive em São Paulo pode dispor desse valor para viver ao lado de uma velha. Se pudessem chamar mais alguns amigos para compartilhar e realizarem algumas festas regadas a vinho e pizza poderia até ser, mas nesse caso seria impossível.
                  Depois do almoço votaram as lamentações. Dizia que nunca mais nenhum homem a tocaria. Que Samir foi o primeiro e único. Não trairia a memória do Samir. Acho que ninguém ousaria trair a memória do Samir. A mulher estava arruinada pelo tempo e pelo sofrimento. Tanto por fora quanto por dentro. Acho que não raciocinava direito.
- Olha filho. Ando com todas as jóias no meu corpo e ainda tenho um monte guardado no baú dentro da cobertura. Você acha que eu sou boba de andar com todas as outras no corpo? Vai que alguém me rouba. Essa cidade está cada dia mais violenta.
                   Apontou para um dos colares:
- Esse aqui ele me deu uma semana antes de morrer – caiu em prantos – Nessa noite dormimos bem agarradinhos, não é porque somos velhos que não temos desejo.
- Eu sei Dona Dulce.
                   Insistiu tanto que me fez visitar a cobertura. Ao entrarmos no apartamento ela finalmente liberou o gato:
- Vai pra cama, Samir. Agora.
                   O gato tinha o nome do falecido. Meu Deus.                  
                   O apartamento era bonito, mas mórbido. Fotos do Seu Samir por todos os cantos repousavam sobre móveis antigos. Mostrou-me o quarto de hóspedes e ofereceu para que eu ficasse um tempo até me acostumar.
                   Agradeci a oferta, mas não pude aceitar. Além do mais, o ambiente era fantasmagórico.
- Por que não, meu filho. Ai, como você me lembra o meu filho que já se foi. É igual. Como aquele menino era carinhoso e inteligente. Só tirava notas boas...
- Eu sei Dona Dulce. Seu Samir me contava.
- Ai, o Samir era louco por ele. Acho que o Samir morreu de tristeza, só pode. Não iria me abandonar assim. Quis encontrar o filho.
- Ok, Dona Dulce, mas eu realmente preciso ir. Tenho um compromisso com a minha mãe.
- Ai, que lindo. Como é linda a relação de mãe e filho. Eu e o meu filho éramos inseparáveis. Mesmo na universidade eu levava e buscava. Ia ser médico doutor.
- Pois é Dona Dulce, mas eu tenho que ir.
- Ta bom, não vou lhe atrasar. Da um beijo na mamãe.
- Sim claro.
- Vou procurar a chave. Espera. Tenho que procurar o Samir primeiro.
                   Confesso que estava morrendo de medo. Incomodava-me muito estar naquele ambiente e queria escapar o mais breve possível. Tive ainda que esperar ela localizar o gato Samir. Ele escondia-se debaixo do sofá, mas a velha o encontrou pelo faro. Puxou-o com força. O Gato tentou resistir pregando as unhas sobre o carpete, mas se fodeu. Dulce segurou-o com força e prendeu-o novamente entre os seios.
                   Finalmente a porta se abriu e pude sair. Mal conseguia olhar pra trás. Arranquei-me dali e voltei pra casa. Passei o dia inteiro com dor de cabeça.
                  Por esses dias fiquei sabendo que se ouviram gritos no prédio da Dulce:
- Não, meu Deus. De novo não. Ai meu Deus por que não me levas junto. NÃÃÃO!
                 O gato Samir estava espatifado no pátio do prédio e todos os condomínios vizinhos puderam ouvir ou presenciar por suas janelas aquela cena trágica. Dulce ajoelhada ao lado do cadáver tentando recolocar as entranhas para dentro do seu corpo morto e deformado.
                 Parece que o gato decidiu que já bastava tudo aquilo. Saltou da cobertura do Edifício e voou tranquilamente tendo alguns segundos de liberdade até repousar no seu sono definitivo e espalhafatoso. Samir, o gato, também morreu.  

sábado, 23 de julho de 2011

Morreu Amy Winehouse

O mundo acaba de receber a notícia da morte de Amy Winehouse.

Embora a notícia seja triste e chocante, não dá pra dizer aquela frase “eu não acredito que isso esteja acontecendo”.
Ao contrário, eu acredito sim.
Mas é uma pena.
Há tempos a música pop esperava por uma música tão versátil e inovadora.
Nosso tempo é de pragmatismo. As pessoas fazem de tudo para serem aceitas e corresponderem as expectativas do mercado. É necessário se estabelecer. Sem riscos.
 Amy parecia ser uma reserva de criatividade e inovação na música pop, acelerando na contramão da indústria cultural.
Sua voz marcante de cantora de jazz e a irreverência nas suas letras faziam com que Amy saísse do denominador comum da mediocridade imperante.
E Amy Winehouse parecia estar decidia em fugir da realidade opressora.
Esta parece ser a dificuldade de alguns artistas. A sensibilidade peculiar e necessária para a produção artística vez por outra oprime o indivíduo que recorre a fórmulas de alteração da percepção.
A realidade passa a ser mera abstração e se confunde com a metafísica da experiência artística.
Grandes artistas necessariamente se entregam. Sem entrega, a arte torna-se uma fraude e uma mentira.
Mas o grande desafio para Amy e para tantos outros mega artistas, impossível enumerá-los, é controlar os impulsos de autodestruição.




quinta-feira, 21 de julho de 2011

Por fora bela viola



Quem nunca usou a expressão “uma vida de princesa”, ou idealizou alguém como um “príncipe encantado”?

Nós, mestiços, vivemos sob o signo da impureza. Nossa cor mesclada denota uma espécie de “pulada de cerca” original.

Somos essencialmente pecaminosos e talvez por isso incorporamos uma aura sensual e atraente.

Para muitos de nós, esta latinidade é algo muito difícil de conviver.

As pessoas, inevitavelmente se enxergam como sujos e almejam uma pureza européia, sempre reforçando esta provável origem que quase nunca resiste à segunda geração genealógica.

Se os trópicos são a terra do pecado, um país como Mônaco parece ser a terra do bom senso, do pudor e da etiqueta.

O Príncipe Alberto de Mônaco trouxe nos braços a Princesa Charlene e veio a publico desmentir os rumores de que sua atual cônjuge tentou fugir do altar poucas horas antes do casório, por descobrir que o príncipe desencantado tinha mais um herdeiro em meio às ruas e vielas de seu principado.

Alberto teve também que justificar porque em sua lua de mel dormiu em um hotel separado 15 km dos aposentos da princesa. Disse que o casal se separa durante as noites por motivos práticos.

A aparente infelicidade estampada no rosto da princesa lembra a carismática Lady Diana, antes de se livrar do pernóstico orelhudo Príncipe Charles. Pouco antes de morrer ao lado de um namorado árabe em Paris, a princesa havia confessado que traíra o príncipe de Gales.

O carnaval da Marquês de Sapucaí ou de Salvador, perdem feio em matéria de promiscuidade para a mansão de campo de Silvio Berlusconi na Itália, que parece decidido em recuperar a tradição romana de grandes orgias.

Comentários como estes, para os mais pudicos, pode parecer fofoca barata. Tudo bem, isso não me ofende.

Mas vale lembrar que no período que antecedeu a Revolução Francesa, os grandes salões da burguesia estavam repletos de pensadores iluministas que escreveram grandiosas obras e mudaram o rumo da história.

Mas nas tabernas baratas de Paris, uma geração de boêmios poetas ou fofoqueiros contava para a população todos os podres da nobreza  e desmistificava a proclamada natureza divina que justificava durante séculos a dominação de uns sobre outros.

O eurocentrismo foi incorporado durante séculos pelas elites latino americanas que sempre acreditaram que a humanidade evoluía de suas formas mais subdesenvolvidas até o homem europeu, biologicamente superior.

A natureza de nosso atraso estaria ligada diretamente à nossa inferioridade mestiça.

Os deslizes de Berlusconi, Schwarzenegger, Strauss Kahn, Clinton ou famílias reais, além da decadência econômica do Atlântico Norte pode animar alguns políticos conservadores no hemisfério norte.

Mas aqui, do lado de baixo do equador, onde “não existe pecado” nos faz rir da hipocrisia e decadência daqueles que sempre se consideraram mais perto de Deus.

Por fora bela viola, por dentro pão bolorento.




terça-feira, 19 de julho de 2011

Eleições Argentinas - Quem é quem


No próximo dia 23 de outubro, haverá na Argentina eleições para o sexagésimo primeiro presidente ou presidenta da República.

A partir do dia 10 de dezembro se iniciará um novo governo.

Caso Cristina Kirchner não seja reeleita, a Argentina terá o seu décimo presidente após a redemocratização do país em 1983, ano em que terminou a ditadura militar no país vizinho.

Pesquisas apontam que a atual presidenta tem ampla vantagem sobre o segundo colocado Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente Raul Alfonsín da União Cívica Radical.

Cristina Kirchner recebeu o posto de presidenta de seu marido Nestor Kirchner no ano de 2007. Nestor permaneceu ao lado da mandatária, tornando-se o principal articulador político da base governista, até sua morte em outubro do ano passado.

Cristina teve de superar a ausência do companheiro e sua figura carismática ligada à recuperação do chamado “peronismo autêntico” ou “peronismo histórico”.

O peronismo tornou-se a ideologia política mais popular na Argentina nos anos 40. Juan Domingo Perón soube capturar de maneira eficaz a emergência do operário industrial proletário como ator político fundamental e em um período de grande mobilidade social chegou ao poder nos braços dos trabalhadores. A partir do Ministério do Trabalho e depois na Presidência da República, Perón estruturou o movimento sindical e o partido peronista, tornando estas organizações elementos de pressão social para as transformações políticas e fortalecimento de sua liderança.

Em torno do peronismo, organizaram-se correntes políticas de direita e de esquerda.

O governo Kirchner foi o primeiro mandato peronista que remete à característica desenvolvimentista do primeiro governo de Perón, com aproximação da sociedade civil organizada.

O modelo K, como são conhecidos na Argentina os governos de Nestor e Cristina Kirchner ficou marcado pelo aumento da participação do Estado na economia, recuperação da atividade industrial e crescimento do superávit da balança comercial a partir da exportação agrícola. A reversão das políticas neoliberais dos últimos anos, em especial a intervenção no Banco Central, um crime para os liberais ortodoxos, mais a aliança política com os sindicatos e movimentos sociais, provocaram a ira dos setores mais conservadores, em especial da grande mídia.

Embora os governos de Nestor e Cristina sejam acusados de autoritários, nos últimos anos houve uma enxurrada de ataques dilacerantes contra o kirchnerismo. Por sua vez, o governo aprovou a nova “Lei de Mídia” que afetou os interesses do grupo Clarin, dono de um império na área de comunicação.

Durante os últimos anos, diversas figuras da política tentaram se qualificar como grande postulante em condições de derrotar o kirchnerismo na próxima eleição.
Maurício Macri, ex-presidente do Boca Juniors e atual chefe da cidade autônoma de Buenos Aires tentou se qualificar como o candidato da direita, mas diante dos bons resultados de Cristina nas pesquisas decidiu se reeleger à prefeitura local.

De Navarez, considerado um peronista moderado, havia vencido Nestor Kirchner nas eleições parlamentares encabeçando sua lista de deputados. Pensava em se arriscar nessas eleições, porém compôs um acordo com Ricardo Alfonsín que o apoiará na disputa pelo governo da província de Buenos Aires.

Julio Cobos, atual vice-presidente da república, aproveitou-se de um embate do governo com o setor agrícola - que se manifestava contrário à retenção de exportações, medida que buscava frear as ameaças inflacionárias e o desabastecimento interno – e apoiou a peleja dos ruralistas. Atuou como opositor durante a maior parte de seu mandato, mas não conseguiu apoio de seu partido que preferiu lançar a candidatura de Ricardo Alfonsín.

Na Argentina, é possível que mais de um candidato seja postulante pelo mesmo partido, desde que se organizem em frentes partidárias autônomas.

Pelo Partido Justicialista (peronista), além de Cristina Kirchner (Frente para Vitória) sairão candidatos o ex-presidente no governo de emergência (2002-2003) Eduardo Duhalde (União Popular) e o governador da província de San Luis Alberto Rodriguez Saá (Peronismo Federal).

Duhalde tenta se qualificar como um peronista moderado, capaz de liderar uma aliança política que garanta a governabilidade, articulando com os peronistas e controlando o poder dos sindicatos, fonte de preocupação da classe média. Seu slogan é “Duhalde Pode”.

Ricardo Alfonsín é o candidato da UCR, o partido mais antigo da Argentina fortemente fincado nas classes médias urbanas. Aposta na sua imagem conciliadora para chegar à Casa Rosada. Seu programa de governo prevê políticas habitacionais eficazes com facilitação do crédito imobiliário para os jovens. Seu partido ainda se recupera da perda de prestígio depois do trágico governo de Fernando De La Rúa que ganhou as eleições com o apoio de Carlos Menem, mas teve de renunciar à presidência e fugir do país após o desmonte da economia Argentina em 2001.

Concorre também Elisa Carrió (Coalizão Cívica), segunda colocada em 2007.

As últimas pesquisas apontam uma vantagem folgada de Cristina Kirchner (49,8 %), seguida por Ricardo Alfonsín (10,5 %), Eduardo Duhalde (9,2 %), Rodrigues Saá (5,2 %) e Elisa Carrió (4,8 %).*

Na Argentina o presidente pode eleito já em primeiro turno se alcançar 45% dos votos válidos, ou 40% com dez pontos de vantagem para o segundo colocado. Por isso, a falta de unidade na oposição pode favorecer a candidatura de Cristina e decidir as eleições.


* Instituto CEOP (Junho/2011)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A decadência do futebol brasileiro


A torcida brasileira está perplexa com esta crise que é diferente de todas as outras que presenciamos ao longo dos anos.
Todo mundo sempre dizia: “O Brasil tem mais de cem milhões de técnicos”.
Portanto, as discussões acerca do futebol da seleção estavam relacionadas à escolha de jogadores. Todo mundo tinha um time na cabeça, mas era impossível que o técnico atendesse a todos com suas escolhas que inevitavelmente desagradaria uma grande massa de descontentes.
Ficava sempre um grande craque de fora e a sociedade brasileira se mobilizava para convencer o técnico de levar este ou aquele jogador.
Dessa vez é diferente.
O Brasil não tem mais a tradicional oferta de craques que tornava possível formarmos três ou quatro selecionados e ainda sim concorrer em igualdade de condições com os demais países.
Hoje vivemos uma entressafra de jogadores.
Temos inúmeras promessas de craques, mas em verdade, hoje não podemos contar com nenhuma realidade para conduzir o time e mudar a trajetória das partidas.
Só pra dar um exemplo da nossa carência, desde criança, eu pude acompanhar extraordinários centroavantes que se sucederam no ataque da seleção. Foram eles: Careca, Romário e Ronaldo. Hoje, não temos nenhum jogador que sequer se equipare com os craques que acabei de mencionar. Jogamos essa Copa América com Pato e na reserva o Fred.
É evidente que muitos contestam, não sem motivo, o trabalho do Mano Menezes. Mas temos que ser sinceros. Não há hoje nenhum jogador brasileiro que seja unanimidade e que não tenha sido convocado, como em outras oportunidades. Os melhores que temos estavam lá em campo, incapazes de mudar a história da partida.
Que fique claro, com todas as letras: O futebol brasileiro está em franca decadência.
Não possuímos mais os maiores craques do planeta e nada indica que reverteremos este quadro brevemente.
A Lei Pelé, aprovada no governo FHC, com o pretexto de libertar os jogadores, entregou os nossos craques a empresários especuladores que dispõem de um poder absurdo, capaz de interferirem no processo decisório dos principais clubes brasileiros que se tornam reféns destas famigeradas figuras.
Com isso, os clubes do interior, que viviam de revelar jogadores e vender seus passes para os clubes considerados grandes quase que fecharam suas portas. Não revelam mais ninguém. O negócio tornou-se desvantajoso, já que um clube gasta uma fortuna para preparar e revelar um craque e quando este desponta, abandona o clube e fecha contrato com um empresário de ponta, capaz de usar sua influência para colocá-lo em um clube grande, considerado uma mera vitrine para que o jogador seja vendido ao exterior.
Os jogadores dessa nova geração tornaram-se “sociedade anônima”, com seu capital dividido entre diversos investidores. Suas preocupações são contratuais e foi-se há algum tempo o vínculo afetivo e o comprometimento moral e profissional com a camisa dos clubes ou da seleção onde jogam. São jovens e temperamentais, estrelas cercados por dezenas de agentes e sem apetite para a peleja dentro das quatro linhas.
Fruto do nosso tempo histórico, estes jogadores preocupam-se com o patrimônio, deixando de lado o gosto em fazer história. O sabor da vitória torna-se, portanto, dispensável e muito rapidamente, os atletas perdem o desejo pelas disputas.
O nosso celeiro de craques está minguando. Pela primeira vez em muitos anos.
Os clubes que não se adaptaram ao novo momento ou não possuem uma marca valiosa para negociar sua imagem estão desaparecendo. E quem perde com isso é o nosso futebol sem novas revelações.
Não me surpreenderia se o Brasil, mesmo jogando em casa na próxima copa, fosse um mero coadjuvante na competição.
Talvez, se rapidamente tomássemos ciência de nossas limitações e jogássemos um futebol sério pra este momento de entressafra, teríamos alguma chance.
Mas, ao que me parece, continuaremos com esse perfil de jogadores “Bon Vivants” na seleção brasileira.
Muita frescura e pouco futebol.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Preconceito social na internet


O Orkut é uma espécie de Praia Grande dos sites de relacionamento. Todo mundo já se divertiu ali, mas agora, alguns sentem vergonha de dizer.
Estes dias até brinquei com uma amiga. Ao vê-la tirando uma foto bonita eu disse:
- Olha só! Foto de Orkut, heim?
A resposta foi meio seca:
- Facebook, por favor.
Vez por outra recebo alguns e-mails com o título: “as pérolas do Orkut”. São fotografias com gente se divertindo de maneira supostamente ridícula. Coisa de pobre, diriam os antenados permanentemente às novas tendências.
O estranhamento com estas cenas é compreensível.
A mobilidade social recente ofereceu a pessoas que tempos atrás mal podiam comer carne e se divertir a compartilhar valores próprios das classes médias brasileiras, difundidos pelos meios de comunicação e que anteriormente estavam meramente restritos ao imaginário da população de baixa renda.
Uma foto com garrafa de uísque ao lado de uma piscina de plástico causa perplexidade na classe média que se orgulha de vez por outra, ser convidada a freqüentar algum salão co-habitado pela “elite branca”.
Alguns destes e-mails trazem comentários do tipo “maldita Casas Bahia que vende câmera digital em 36 vezes sem juros”.
Como se os bens de consumo da classe média brasileira – forjada nos governos de Vargas, Juscelino e Militares – não fossem oriundos das “suaves” prestações de crédito pessoal oferecido pelos bancos de varejo.
Pode até parecer estranho alguém que recentemente adentrou ao mercado de consumo reproduzir a sua maneira os valores e o modo de vida da classe média que historicamente habitou o imaginário popular como um mero sonho distante.
Mas da mesma forma parece ridículo e fraudulento quando a indústria cultural – que tem a classe média como principal consumidora - incorpora, apropria-se e re-significa a produção cultural da classe pobre brasileira.
Os ritmos e danças criados nas vilas e favelas brasileiras tornam-se um subproduto industrializado e comercializado para “gente branca” consumir.
Os resultados são deformações como o baile funk para patricinhas popozudas nas baladas caras de São Paulo, o pagode choramingado, os camarotes de escola de samba e as micaretas que transformaram o carnaval do povo em uma espécie de apartheid itinerante.
Mas o pior de todos é o conceito de forró universitário e sertanejo universitário.
Ou seja, a indústria cultural se apropria da cultura popular, depois cria uma etiqueta para diferenciar a estética do forró dos universitários do forró de empregada doméstica, o sertanejo universitário do cowboy de picape da música do caipira ingênuo.
Com toda sinceridade, um boyzinho cantando que “o Morro do Dendê é ruim de invadir” me parece muito mais ridículo do que ver alguém se divertindo no Piscinão de Ramos ou na Praia Grande.  

Como eu disse anteriormente, a classe média brasileira foi criada pelo Estado na era Vargas. Ou seja, há apenas oitenta anos.
Isso quer dizer que quase ninguém com minha idade têm um avô que nasceu rico. Os que tiveram a felicidade de construir um patrimônio, têm muito viva na mente a memória de pobreza.
Os universitários do forró e do sertanejo recentemente puderam contrariar as estatísticas e alcançar o grau superior. Agora, eles se sentem em condições de “apedrejar” a Geyse, não porque ela seja escandalosa, mas por ela ser considerada ridícula. E o “senso comum” decidiu que seu corpo - supostamente feio -  não lhe dava direito de se sentir atraente e usar um vestido curto.
Acontece que a classe média se apavora com a pobreza. Sente medo dela. Tem a pobreza muito viva na memória e rapidamente incorpora como seus os interesses e ideologia da elite, com medo de cair na escala social ao se associar com quem deveria estar “em baixo”.
Quando aquele que estava “em baixo” emerge e pode também usufruir os bens de consumo, comprar celular, televisão, viajar de avião, automóvel e a famigerada câmera digital, os que estavam “em cima”, automaticamente, num clique, sentem-se mais pobres.
As fotos do Orkut apavoram porque através delas alguns enxergam tudo o que mais temem.  A igualdade.
No Brasil poucos se sentem a vontade com a igualdade. Este é o país dos camarotes VIP. Seja na balada ou nos hospitais e nas universidades. Não seria diferente nas redes sociais.

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Leia também: Tropa da Elite acusa a sociedade brasileira de invejar os mais ricos

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O apartheid nos estádios de futebol


Publicado na minha coluna Bola na Teia no site Teia Livre



Vou ao estádio de futebol desde criança.
Meu pai me levava aos jogos com uma só torcida. Aqueles mais tranqüilos.
Seu jogo preferido era Corinthians x Juventus. Um clássico da zona leste paulistana.
Aos dezesseis anos comecei a ir sozinho aos estádios, inclusive naqueles jogos “cabeludos”. Sofri alguns perrengues, mas logo aprendi a me virar e a me comportar em meio à multidão. Era preciso ser esperto e compartilhar alguns valores particulares ao novo ambiente para não me ferir naquela selva.
Ontem, mais uma vez, peregrinei até o Pacaembu para ver a vitória de virada do Corinthians diante do Vasco da Gama.
Mas o cenário é bem diferente de vinte anos atrás, quando comecei minha aventura nos estádios e imperava a simplicidade do esporte do povo.
Procurei as bilheterias horas antes da partida para reservar o meu ingresso. Dei a volta no estádio para procurar o portão correto de atendimento. Eles mudam a cada semana e é impossível saber ao certo onde comprar.
Passei um bom tempo na fila. Mas o problema não era o número de pessoas, mas o sistema que havia caído.
Hoje existe a tecnologia e não são mais vendidos os tíquetes já impressos. Quando o sistema cai, as vendas ficam suspensas.
De repente o computador recupera o seu estado de espírito e os ingressos voltam a ser vendidos. De vez em quando acontece de retornar o sistema, mas os bilhetes já estarem subitamente esgotados. Mistério.
Os preços hoje são muito mais caros. Aos dezesseis anos eu trabalhava como Office boy e recebia pouco mais de um salário mínimo por mês. Comprava ingresso para todos os jogos e isso sequer comprometia meu orçamento. Agora, os ingressos estão cada vez mais caros. Qualquer dia desses será necessário comprovante de renda para entrar no estádio.
Antigamente, as figuras mais respeitadas da torcida eram os “ratos de estádio”. Aqueles que freqüentavam todos os jogos e tinham histórias para contar. Os velhos eram idolatrados e no intervalo do jogo contavam histórias de um passado remoto. Ouvia as histórias com admiração e até mesmo com espírito de subordinação à “autoridade” dos velhos.
Há alguns anos, os torcedores organizados foram criminalizados.
Ontem, os torcedores comuns foram deslocados da fila para que dessem espaço para as entregas dos camarotes. Uma empresa de eventos trazia o Buffet com baguetes, frios, salgados e antepastos. Seria um coquetel, sem dúvidas. A CET apoiava a operação.
Quando eu era moleque, comprava-se o ingresso na hora do jogo e ainda assim todo mundo entrava no estádio. O produto mais vendido era o amendoim. Eram despejados sobre nossas próprias camisetas. Cabia bastante porque ninguém usava baby look.
Ouvia-se o berro do sorveteiro que batia forte no isopor e vendia seus sorvetes gritando: chocolate, coco, limão: vai dar coringão!
Era emocionante. Tudo muito simples, mas incrivelmente mágico.
Hoje são celulares, câmeras, iphones e televisores portáteis entre outras parafernálias que compõem o kit torcedor pós-moderno.
Eu me contentava em levar a mesma camisa Kalunga e repetia sempre a mesma cueca para dar sorte.
Na saída do estádio o pernil era refeição obrigatória para abastecer o corpo, já que a alma estava repleta de felicidade. Ainda que porventura eu estivesse decepcionado com o resultado da partida, havia exorcizado todos os meus fantasmas.
Ontem, a rapaziada que corria de um lado para outro do estádio, carregando a mercadoria nas costas, tentando levantar um troco, foi detida. Seus produtos foram apreendidos e colocados num caminhão da prefeitura.
Um homem com cerca de 50 anos lamentava a perda e suplicava pela compreensão do “rapa”. Ele falava com a voz embargada e continha o choro.
Confesso que também senti vontade de chorar.
Quando foi anunciado, fiquei até feliz com o lance da copa. Mas sei lá. Do jeito que as coisas andam eu estou a cada dia mais longe dos estádios.
Ou pior. O estádio está ficando cada vez mais longe de mim. De quem eu sou. Da minha identidade.
Dizem que para sermos modernos temos que ser iguais aos europeus.
Então é isso. É o progresso.
 Lembrei-me do Adoniran: Saudosa maloca, maloca querida din din donde nós passemo dias feliz de nossa vida.

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leia também: o fim dos clássicos

terça-feira, 5 de julho de 2011

Empolgado com a idéia de ser tucano, Luciano Huck tentou privatizar o mar

Luciano Huck é o manequim do conservadorismo brasileiro.
Uma espécie de Regina Duarte do século XXI.
Certa vez escreveu um discurso inflamado anunciando sua própria morte depois de estar revoltado por ter seu Rolex roubado em São Paulo.  Dizia-se envergonhado por ser brasileiro e pedia a aparição do Capitão Nascimento para redimir sua perda.
Não tenho simpatia alguma por assaltantes e adoraria que o sistema judiciário afastasse das ruas os bandidos que roubaram seu relógio, entre outros tantos meliantes.
Mas à época considerei o discurso incoerente para o apresentador de um programa televisivo que explora a realidade social, vendendo a superação instantânea da pobreza com carros e casas que se transformam do dia pra noite em um passe de mágica.
Como na vida real as coisas não são bem assim, as vezes a turma do “cansei” tem mesmo que clamar pela Tropa de Elite para massacrar os bandidinho que se frustram com o sonho de consumo e resolvem tentar na mão grande ter acesso aos bens e as glórias prometidos pelo deus do capital.
Huck ficou famoso nos anos 90, quando estava na moda ser engomadinho e almofadinha. Enquanto jovem, jamais significou nada de bom para a molecada. Incorporou sempre o estereótipo do alienado preocupado com seu progresso pessoal. Seu show subjugava as mulheres, as transformando em divas sado masoquistas.
Mas o boyzinho  agora tem pretensões eleitorais. Muitos dizem que ele está sendo preparado para ser a grande aposta do PSDB para no futuro, quem sabe, alcançar a presidência.
Pois não é que o rapaz pegou gosto em ser Tucano.
Já começou querendo privatizar o mar.
O rapaz tentou iniciar por cima e foi condenado pela 1ª Vara Federal de Angra dos Reis por cercar com bóias a sua Ilha das Palmeiras, neste município fluminense.
A multa é de 40 mil reais.
O mauricinho não se conforma com o fato de que gente rica também tem que respeitar as leis e o espaço público.
Quanto ao argumento de Luciano Huck de que o espaço se destinaria futuramente à maricultura, o Ministério Público se pronunciou no processo da seguinte forma:
"(a motivação) é outra que não a atividade de maricultura, ou seja, a maricultura seria um instrumento, um pretexto para legitimar a pretensão não acolhida pela lei, de apoderamento de bem de uso comum do povo".
Esse país continua perseguindo e invejando os mais ricos, não é mesmo?

A queda do telhado neoliberal


Texto publicado originalmente no blog http://www.imprenca.com/ que escrevi como convidado e  rendeu uma belíssima discussão.

Recomendo o blog do meu amigo Caipira Ze do Mer




No dia 23 de maio deste ano, o jornal Folha de São Paulo elegeu a queda do muro de Berlim como a principal notícia das suas 30 mil edições.
A imprensa em geral, não se cansa de festejar este feito como o grande momento da humanidade. A partir daí estaríamos livres da “chaga” do socialismo e a história chegaria ao seu fim. Viveríamos para sempre sobre a égide de um sistema capitalista global e os indivíduos poderiam enfim ser felizes cuidando de seus projetos individuais, enquanto os coletivos ficariam a cargo do livre mercado que seria o grande indutor da vida social, livrando-nos da incômoda presença do Estado em nossas vidas.
Pois bem, vivemos nos dias de hoje outro grande momento histórico. Mas este não tem sido devidamente festejado e sequer tem recebido a devida importância nas mídias brasileiras.
Depois da queda do muro de Berlim, vemos hoje a queda do telhado neoliberal na Europa.
Por que o telhado neoliberal?
A crise dos sistemas econômicos em países como Portugal, Irlanda, Islândia, Itália, Grécia e Espanha (PIGS) deixou o continente absolutamente vulnerável a qualquer nova tempestade econômica e política. E, acreditem, estas tempestades inevitavelmente virão.
No final dos anos 70 do século passado a primeira ministra britânica Margaret Thatcher e o presidente norte americano Ronald Reagan deram início ao desmonte do aparelho de proteção estatal e a “desregulação” de suas economias. O aumento no número de desempregados só serviu para pressionar os sindicatos a aceitarem as novas medidas de arrocho salarial e a nova agenda que estava sendo imposta ao “mundo ocidental”.
Na prática, os Estados capitalistas do centro, deixariam de “concorrer” com o modelo socialista soviético, apostando na eficiência econômica para vencer a guerra fria.
Nas décadas seguintes, os setores produtivos foram negligenciados e as economias passaram a girar mediante a capitalização financeira, com a rolagem de títulos de dívidas externas. Os Estados foram “flexibilizando” suas legislações  e tornando seus países “ambientes favoráveis” para os negócios. O mercado global se consolidava e o Estado deixava de proteger seus cidadãos com políticas sociais.
Alguns países foram exceções. Sobretudo aqueles fincados na social democracia do norte da Europa, como Suécia, Holanda, Bélgica e Noruega.
Em 2008, com a crise dos EUA, os Estados tiveram de cobrir o rombo deixado pelos especuladores mundo afora. Para evitar a conseqüente quebra de suas economias, ou mesmo minimizar os efeitos da crise os governos tiveram de suprir a demanda privada que imediatamente se retraiu. Foram trilhões de dólares e euros despejados nos mercados e os contribuintes do mundo todo pagaram muito caro pela farra dos especuladores, atores principais do sistema neoliberal.
Não precisa ser economista nem político para entender que seria muito mais vantajoso para as sociedades uma ruptura drástica desde modelo econômico que deveria se reorganizar sob uma nova estrutura, apoiada no desenvolvimento e justiça social. A dinheirama jorrada nos mercados acabaria com a fome no mundo. A crise deflagrada por conta do crédito imobiliário, fez com que os Estados pagassem o rombo dos credores, mas deixassem que os seus cidadãos permanecessem endividados.
Não haveria outro resultado possível que o absoluto endividamento dos Estados nos primeiros anos posteriores à crise.

A resistência neoliberal argumenta que os Estados gastaram mais do que deviam.
Ora, estes gastos não são oriundos das políticas sociais, tampouco do investimento em infra-estrutura. A dívida dos Estados se deve justamente à farra especulativa neoliberal.
Agora, milhões de pessoas estão na rua protestando contra o modelo econômico e exigindo mudanças nos governos. São jovens, velhos, idosos, pais e mães de família. Muita gente desempregada.
O FMI condiciona o aporte financeiro às políticas de metas de arrocho e corte nos investimentos. Sabe-se que o primeiro dos países vulneráveis (sem telhado) que quebrar, levará a um efeito dominó devastador.
No final dos anos 90, a América Latina viveu um momento econômico semelhante. A diferença era que nas nossas sociedades, sequer havia políticas sociais suficientes para atenuar os efeitos da recessão econômica.
O México até hoje não se recuperou economicamente. O país manteve o modelo econômico rígido.
A Argentina somente voltou a crescer depois de suspender o pagamento da dívida e desvalorizar sua moeda, apostando na produção e na exportação de commodities.
O Brasil, sobretudo no segundo governo Lula, passou a ser protagonista global depois de recuperar a capacidade de investimento do Estado, apostando no mercado interno e no desenvolvimento econômico.
Já provamos o remédio europeu uma década atrás. Sabemos que este caminho neoliberal não tem futuro.
Uma grande transformação está em curso. A China em poucos anos se tornou a grande economia global apostando no desenvolvimento. Seu modelo de parceria parece ser muito mais interessante para os países emergentes do que o carcomido imperialismo do atlântico norte.
Não existe futuro possível para a Europa com o neoliberalismo.
Não existe futuro possível para a humanidade com o neoliberalismo.
Os povos vão acabar com o neoliberalismo.

Ou a própria natureza competitiva dos Estados acabará com ele.
O telhado já caiu!

Não deixe de ler o próximo post, um texto de Luis Nassif sobre o tema.